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Análise: acordo UE-Mercosul é bode expiatório para crise na França | G1

por Redação

No país, o pacto se transformou no bode expiatório de um modelo de agricultura em sucessivas crises.

A mais recente é sanitária: uma dermatose nodular contagiosa bovina ameaça o rebanho francês, obrigando o governo a promover abates em massa de animais para conter a epidemia.

Ao mesmo tempo, a França combate a gripe aviária, que ameaça a região de Landes, principal polo produtor de patos para o foie gras.

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As crises sanitárias se somam a problemas em setores da produção agrícola francesa, como trigo e vinhos, vítimas da concorrência internacional, pelas mudanças climáticas e pelas oscilações do comércio global.

Em 2025, pela primeira vez em 50 anos, a agricultura da França poderá registrar déficit comercial, importando mais do que exporta.

A inversão se explica, de um lado, pelo aumento dos preços internacionais do cacau e do café e, do outro, pela diminuição das exportações de vinhos e destilados após a guerra tarifária de Donald Trump, além de safras ruins e preços menores dos cereais.

“Foi conjuntural, mas se soma a recuos em relação a outros países europeus, como no setor de frutas e legumes. Temos um problema de conjuntura e outro de competitividade”, explica Jean-Christophe Bureau, professor de Economia da AgroParisTech e especialista em comércio agrícola internacional.

“O nosso déficit nos últimos anos se acentuou, principalmente, com os países da União Europeia”, afirma.

Protesto de agricultores franceses contra o acordo de comércio livre entre a União Europeia e o Mercosul, em Paris, 14 de outubro de 2025. — Foto: AP foto/Michel Euler

Corte nos subsídios à vista

Os riscos de cortes na Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia aumentam a preocupação: o próximo orçamento (2028-2034) poderá cair até 20%, com impacto maior na França, principal beneficiária do programa de subsídios.

Todos os anos, os agricultores franceses recebem cerca de 9 bilhões de euros de ajuda, o que representa dois terços da renda do setor.

Os números mostram o déficit de competitividade agrícola francesa, que prioriza a produção local, familiar e tradicional, em detrimento da agricultura intensiva adotada pelas maiores potências mundiais.

A França lidera a produção agrícola e agroalimentar na Europa, mas caiu do segundo para o sexto lugar entre os maiores exportadores globais, com 4,3% do mercado em 2024.

Desde 2015, a França importa mais produtos agrícolas do que exporta para seus vizinhos europeus. Hoje, metade das frutas e legumes consumidos no país vem do exterior.

“Em alguns casos, temos de fato diferença de custo da mão de obra, que é menor na Espanha, graças à imigração e aos salários mais baixos, ou na Alemanha, onde os encargos trabalhistas são bem menores”, aponta Bureau.

“Mas também podemos citar as nossas deficiências em pesquisa e desenvolvimento e até de formação.”

Normas ambientais europeias

O êxodo rural é outra preocupação. A renda média dos agricultores estagnou nos últimos 20 anos, e o aumento das dificuldades afasta os mais jovens do campo na comparação com outras potências agrícolas europeias como a Itália ou a Alemanha.

Alguns sindicatos agrícolas também criticam um suposto excesso de regulamentações sanitárias e ambientais no bloco.

“A agricultura francesa é caracterizada pela sustentabilidade, na comparação com as grandes potências. Ao mesmo tempo, começa a enfrentar mais dificuldades ambientais, exacerbadas pelas mudanças climáticas. Temos impasses técnicos para lidar com pragas sanitárias em animais e vegetais”, disse Aurélie Cathalo, diretora de Agricultura do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais (IDDRI), à RFI.

“Temos problemas com a fertilidade dos solos, e isso explica a estagnação ou até diminuição da renda dos agricultores. Precisamos colocar a agronomia a nosso favor, fazer o esforço de nos adaptarmos e podermos continuar a produzir, apesar do andamento da situação.”

Agricultores franceses em protesto contra acordo do Mercosul na cidade de Limoges, na França. — Foto: Reuters

Acordo visto como uma ameaça

Nesse cenário, a maioria dos agricultores da França vê o acordo com o Mercosul como um risco, por considerar que produtores da América Latina seguem regras ambientais menos rigorosas.

“Segundo os nossos cálculos, o acordo com o Mercosul não tem impactos grandes, afinal foram inseridos limites de importação. Entretanto, é um acordo que se soma a outros que já temos, o que faz com que, para alguns setores, como a carne bovina, as aves e o mel, ele se torne desfavorável”, pondera o professor da AgroParisTech.

“Há uma insatisfação generalizada. É evidente que, em um ano de renda muito baixa devido a safras fracas, em que os problemas como inundações e incêndios se sucederam, o acordo com o Mercosul vira a gota d’água que faltava.”

Nesta terça-feira (16), o Parlamento Europeu aprovou uma série de medidas de proteção e criou um mecanismo para monitorar o impacto do acordo em produtos sensíveis, como carne bovina, aves e açúcar.

Os trechos abrem portas para a aplicação de tarifas em caso de desestabilização do mercado no bloco.

Os eurodeputados desejam que a Comissão Europeia intervenha se o preço de um produto latino-americano for ao menos 5% inferior ao da mesma mercadoria na UE e se o volume de importações isentas de tarifas aumentar mais de 5%.

Apesar das salvaguardas, a França deve manter a oposição. Paris pediu o adiamento da assinatura do acordo, que a União Europeia pretende concluir no sábado (20), no Brasil.

Resta saber se a Itália, que mostrou sinais contraditórios nos últimos meses, se colocará ao lado da Comissão ou ao lado dos franceses.

Se escolher o alinhamento com Paris, os dois países formariam uma maioria qualificada de estados-membros, junto com Polônia e Hungria, que seria suficiente para bloquear o pacto.

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