Início » Mais de 500 trabalhadores são resgatados de condições análogas à escravidão

Mais de 500 trabalhadores são resgatados de condições análogas à escravidão

por Redação
mais-de-500-trabalhadores-sao-resgatados-de-condicoes-analogas-a-escravidao

Auditores-fiscais encontraram trabalhadores recrutados nas regiões Norte e Nordeste do país em situação degradante, em um canteiro de obras na zona rural do município. A operação, iniciada dia 20 de julho, revelou condições insalubres na construção de uma usina de etanol.

Segundo a fiscalização, um incêndio que atingiu parte dos alojamentos pode ter sido provocado pelos próprios trabalhadores, em protesto contra as frequentes falhas no fornecimento de energia elétrica e água potável.

As condições nos alojamentos comprometiam a saúde e o bem-estar dos trabalhadores, impedindo o descanso adequado diante do calor intenso da região. O incêndio expôs um cenário alarmante de precariedade e violações de direitos trabalhistas.

Os dormitórios tinham apenas 12 m² e acomodavam até quatro pessoas, sem ventilação adequada nem climatização.

Segundo o Ministério do Trabalho, os operários dormiam em quartos abafados, com apenas um ventilador para cada quatro pessoas, recebendo apenas um lençol fino para cobrir colchões usados e em péssimo estado.

Não eram fornecidos travesseiros, fronhas ou roupas de cama adequadas. A superlotação era evidente, e alguns trabalhadores chegaram a dormir no chão, sob mesas, por falta de camas disponíveis.

Problemas no fornecimento de energia elétrica agravaram a situação nos dias que antecederam o incêndio, interrompendo o bombeamento de água dos poços artesianos. Sem água, os trabalhadores relataram que precisavam tomar banho com canecas e enfrentavam longas filas para utilizar banheiros em condições precárias.

Mais de 500 trabalhadores são resgatados de condições análogas à escravidão — Foto: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)/Ministério Público do Trabalho

No dia do incêndio, caminhões-pipa passaram a buscar água no Rio Tapirapé, mas o líquido era turvo e impróprio para consumo. As chamas destruíram os alojamentos masculinos e femininos, além de parte da panificadora e da guarita da obra.

A força-tarefa também identificou graves irregularidades no canteiro de obras. Os operários trabalhavam em ambientes insalubres, sem ventilação, com acúmulo de poeira e refeitórios em condições inadequadas.

Foram registrados acidentes de trabalho que não haviam sido comunicados oficialmente, além de lesões nas mãos e nos pés e casos de doenças de pele causadas pelo manuseio de produtos sem equipamentos de proteção adequados.

Após o incêndio, parte dos trabalhadores foi transferida para casas e hotéis em Porto Alegre do Norte e em Confresa, a cerca de 30 quilômetros do local da obra.

Mesmo assim, muitos continuaram em situação degradante: dormindo em colchões no chão, sem camas, roupas de cama ou locais adequados para guardar os poucos pertences que lhes restaram.

Segundo o Ministério do Trabalho, alguns operários perderam todos os seus pertences no incêndio. Um grupo chegou a ser realocado para um ginásio de esportes em uma cidade vizinha.

A fiscalização também verificou que a empresa não emitiu as Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs) para os feridos no incêndio, o que comprometeu o acesso a benefícios previdenciários e atendimento médico.

Trabalhador resgatado de canteiro em MT mostra queimaduras provocadas por incêndio

Trabalhador resgatado de canteiro em MT mostra queimaduras provocadas por incêndio

Aliciamento, dívidas e falsas promessas

A investigação também revelou um esquema de aliciamento e servidão por dívida, com fortes indícios de tráfico de pessoas. Sem conseguir contratar mão de obra local, a empresa realizou um recrutamento em massa nos estados do Norte e Nordeste.

O recrutamento era feito por meio de anúncios em carros de som e mensagens em grupos de WhatsApp, oferecendo ganhos elevados com horas extras. Muitos trabalhadores relataram ter pago intermediários para garantir a vaga, além de arcarem com os custos da viagem e alimentação.

Em outros casos, a empresa custeou a viagem, mas descontou integralmente os valores dos salários — uma prática ilegal e abusiva, que transfere aos trabalhadores o risco financeiro do empreendimento.

Os que não foram aprovados nos exames admissionais ou rejeitados na seleção ficaram sem recursos para retornar às suas cidades de origem.

Outro aspecto grave foi a descoberta de um sistema paralelo de controle de jornada, apelidado de “ponto 2”. Nele, as horas extras eram anotadas à parte dos registros oficiais e pagas em dinheiro ou cheques, sem lançamento em contracheques nem recolhimento de FGTS ou contribuições ao INSS.

Auditores ouviram relatos de operários que trabalhavam semanas inteiras, inclusive aos domingos, sem qualquer folga, em total descumprimento da legislação. A jornada ultrapassava as 8h48 diárias previstas, chegando a turnos de até 22 horas.

Essas horas extras não eram registradas formalmente. Os pagamentos eram feitos “por fora”, o que configura sonegação fiscal. Além disso, as promessas de ganhos com horas extras faziam parte de uma estratégia enganosa para atrair trabalhadores.

A alimentação também foi alvo de denúncias. Os trabalhadores recebiam refeições repetitivas, com relatos de larvas, moscas e alimentos estragados. O refeitório não era ventilado, e muitos acabavam comendo em pé ou do lado de fora.

Após o incêndio, foram registradas 18 demissões por justa causa, 173 rescisões antecipadas de contrato e 42 pedidos de demissão. Cerca de 60 trabalhadores perderam todos os seus pertences nas chamas.

O Ministério Público do Trabalho negocia com a empresa que assine o Termo de Ajuste de Conduta (TAC), que prevê:

  • Pagamento das rescisões contratuais;
  • Indenizações por danos morais individuais e coletivos;
  • Reembolso das despesas com o deslocamento ao Mato Grosso;
  • Custeio do retorno e da alimentação dos trabalhadores às suas cidades de origem;
  • Pagamento de R$ 1.000 a cada trabalhador como compensação pela perda de bens pessoais no incêndio.

Além disso, os trabalhadores deverão receber todas as verbas rescisórias devidas, incluindo salários pagos “por fora”, horas extras, férias proporcionais, 13º salário, FGTS e demais direitos trabalhistas.

Os trabalhadores resgatados terão direito ao seguro-desemprego em modalidade especial, prevista para vítimas de trabalho análogo à escravidão. (entenda mais abaixo)

A força-tarefa continua analisando documentos e poderá realizar novas inspeções no local. Neste primeiro momento, o foco da equipe foi garantir o retorno dos trabalhadores aos seus locais de origem.

Parte deles já recebeu os direitos trabalhistas devidos, enquanto outros ainda aguardam. A ação continua em andamento, com o objetivo de assegurar o pagamento integral a todos os resgatados.

O cenário de trabalho degradante era na construção de uma usina de etanol da empresa 3Tentos. A obra era executada pela TAO Construtora. A empresa tem quatro obras em andamento no estado, com cerca de 1,2 mil trabalhadores, sendo a unidade de Porto Alegre do Norte a maior delas.

Em nota, a 3tentos informou que adotou uma série de ações para apurar os fatos e avaliar as medidas cabíveis, além de colaborar com as autoridades responsáveis. Já a empresa TAO Construtora informou que está colaborando com a investigação da polícia e que, até o momento, não foi autuada sobre o caso.

Operação teve início após trabalhadores atearem fogo em protesto contra condições degradantes — Foto: MTE

O que é trabalho análogo à escravidão?

O Código Penal define como trabalho análogo à escravidão aquele que é “caracterizado pela submissão de alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou seu preposto”.

Todo trabalhador resgatado por um auditor-fiscal do Trabalho tem, por lei, direito ao benefício chamado Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado (SDTR), que é pago em três parcelas no valor de um salário-mínimo cada.

Esse benefício, somado à garantia dos direitos trabalhistas cobrados dos empregadores, busca oferecer condições básicas para que o trabalhador ou trabalhadora possa recomeçar sua vida após sofrer uma grave violação de direitos.

Além disso, a pessoa resgatada é encaminhada à rede de Assistência Social, onde recebe acolhimento e é direcionada para as políticas públicas mais adequadas ao seu perfil e necessidades específicas.

⚠️ COMO DENUNCIAR? – Existe um canal específico para denúncias de trabalho análogo à escravidão: é o Sistema Ipê, disponível pela internet. O denunciante não precisa se identificar, basta acessar o sistema e inserir o maior número possível de informações.

A ideia é que a fiscalização possa, a partir dessas informações do denunciante, analisar se o caso de fato configura trabalho análogo à escravidão e realizar as verificações no local.

Posicionamentos

Nota da Tao Construtora: A TAO Construtora, com mais de 20 anos de atuação no setor da construção civil e mais de 80 obras executadas, informa que vem colaborando integralmente com as autoridades nas apurações relacionadas à obra em Porto Alegre do Norte (MT), após um incêndio criminoso ocorrido em 20 de julho, provocado por um grupo isolado de trabalhadores.

Desde o início da fiscalização, a empresa garantiu acesso irrestrito às instalações e documentos, além de atuar no acolhimento realocação dos colaboradores afetados.

Ressaltamos que, até o momento, não há autuação formal contra a empresa.

A TAO reforça seu compromisso histórico com práticas trabalhistas éticas, respeito à legislação e aos direitos dos tra-balhadores. Importante destacar que uma grande quantidade de colaboradores manifestou o desejo de retornar ao tra-balho, o que demonstra a relação de confiança construída no canteiro de obras.

A empresa firmou, com o Ministério Público do Trabalho, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com caráter emergencial e reparatório, sem confissão de culpa, como forma de garantir suporte imediato aos trabalhadores e manter seu compromisso com a transparência e o diálogo.

A TAO Construtora repudia veementemente qualquer prática análoga à escravidão ou tráfico de pessoas, e seguirá colaborando com as investigações, confiando que a verdade será esclarecida com responsabilidade e respeito ao devido processo legal.

Nota 3tentos: A 3tentos informa que está acompanhando o caso envolvendo uma das empresas contratadas para a obra em Porto Alegre do Norte/MT.

Adotamos uma série de ações para apurar os fatos e avaliar medidas cabíveis e estamos colaborando integralmente com as autoridades competentes.

Prezamos pela dignidade de todas as pessoas envolvidas em nossas operações, sejam elas diretas ou indiretas. Práticas que violem os direitos humanos e trabalhistas são incompatíveis com os valores da companhia. Reafirmamos nosso compromisso com a transparência, a segurança e o respeito às pessoas em todas as nossas operações.

Sobrevivente de trabalho escravo em vinícolas vira agente fiscal e ampara outras vítimas

Sobrevivente de trabalho escravo em vinícolas vira agente fiscal e ampara outras vítimas

Saiba o que é trabalho escravo

Saiba o que é trabalho escravo

Trabalho escravo: mais de 65 mil pessoas foram resgatadas nos últimos 30 anos no Brasil

Trabalho escravo: mais de 65 mil pessoas foram resgatadas nos últimos 30 anos no Brasil

você pode gostar

SAIBA QUEM SOMOS

Somos um dos maiores portais de noticias de toda nossa região, estamos focados em levar as melhores noticias até você, para que fique sempre atualizado com os acontecimentos do momento.

CONTATOS

noticias recentes

as mais lidas

Jornal de Minas © Todos direitos reservados à Tv Betim Ltda®