Marina: governo fez ‘vetos estratégicos’ para preservar ‘integridade’ do licenciamento
Pontos críticos do projeto de lei que fragiliza regras para o licenciamento ambiental foram vetados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ambientalistas chegaram a classificar a decisão como uma vitória, mas também há insatisfações com pontos que permanecem na lei.
Entenda o essencial em 5 tópicos:
Nova lei aprovada no Congresso foi acusada de fragilizar o licenciamento ambiental e permitir obras com alto risco de impacto;
Antes de passar a valer na prática, ela precisava ser sancionada pelo presidente Lula, que também poderia fazer modificações ou vetar todo o texto;
Ambientalistas e setores do próprio governo foram contra o PL e defendiam até mesmo o veto integral; outros setores, como a bancada ruralista, afirmavam que as novas regras iriam desburocratizar processos;
Após movimentação de diversos ministérios e consultas, o presidente vetou 63 dos quase 400 dispositivos da lei, evitando a implementação da licença automática, reforçando a proteção de áreas sensíveis e garantindo a exigência de estudos de impacto ambiental para projetos prioritários;
Decisão de Lula será devolvida ao Congresso, que pode derrubar os vetos presidenciais e restaurar a versão anterior; governo aposta no diálogo para manter as modificações.
Entre os pontos alterados, ainda que parcialmente, está a licença automática. Ela permitia a liberação de obras a partir da declaração do empreendedor. E também a licença especial, que permite a aceleração de obras classificadas como prioritárias pelo governo. (Abaixo, veja como ficaram 9 pontos do projeto após os vetos.)
‘Vitória’, cautela e insatisfação
Representantes de entidades ambientais celebraram os vetos como uma “vitória”, apesar de os especialistas adotarem cautela por não terem ainda analisado a íntegra dos textos.
“A decisão do governo é uma vitória da mobilização social, como respeito à vontade popular”, afirmou a especialista de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Gabriela Nepomuceno. O SOS Mata Atlântica também afirmou que os vetos são “uma vitória” da sociedade.
Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, disse que ainda é preciso “analisar” o que os vetos de Lula trazem “para saber o quanto os retrocessos propostos ao licenciamento foram de fato corrigidos”.
Já a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) avalia que o projeto de lei não flexibiliza nenhuma regra ambiental.
“Seu objetivo é desburocratizar os procedimentos, permitindo que obras importantes para a sociedade — como hospitais, usinas hidrelétricas, projetos de saneamento, entre outros — possam ter andamento”, diz o grupo.
“Atualmente, mais de 5 mil obras dos setores elétrico, de saneamento e de infraestrutura estão paralisadas por falta de licenciamento, segundo dados do Ministério da Infraestrutura. São obras que travam o crescimento do Brasil e impactam a vida de milhares de brasileiros”, acrescenta.
Por outro lado, Juliano Bueno de Araújo, conselheiro do Conama e diretor do Instituto Internacional Arayara, manifestou “profunda insatisfação com os poucos vetos feitos pelo presidente”. Para o especialista, um dos pontos de crítica é a aprovação parcial da Licença Ambiental Especial (LAE), desenhada para viabilizar megaempreendimentos como exploração de petróleo, urânio, mineração de grande porte e termelétricas, atendendo a interesses políticos e econômicos — inclusive do próprio governo.
O IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) considera que os vetos são um “um avanço crucial”, mas a Medida Provisória que antecipa a vigência da LAE gera preocupações legítimas.
“O risco é de que se abra caminho para acelerar o licenciamento de grandes empreendimentos como a exploração de petróleo na foz do Amazonas, contrariando os esforços de enfrentamento à crise climática”, avalia o IPAM.
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Os vetos em 9 pontos
Entenda abaixo as principais mudanças feitas, conforme o governo:
1 – Licença por Adesão e Compromisso (LAC)
MUDANÇA NO PL: Foi vetada a ampliação do uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para atividades de médio potencial poluidor. Esse dispositivo permitia ao empreendedor atestar seu próprio laudo para a licença.
JUSTIFICATIVA: Segundo o governo, “evita que empreendimentos de risco relevante, como barragens de rejeitos, realizem licenciamento simplificado sem análise técnica adequada”. O novo texto vai acrescentar limites ao “procedimento autodeclaratório”.
2 – Entes federativos (estados e municípios)
MUDANÇA NO PL: Vetados dispositivos que transferiam de forma ampla a cada ente federado, sem padronização, a responsabilidade por estabelecer critérios e procedimentos de licenciamento – como porte, potencial poluidor, tipologias sujeitas a licenciamento, modalidades específicas de licenças e atividades passíveis de LAC.
JUSTIFICATIVA: Segundo o governo, “a medida evita uma descentralização que poderia estimular uma competição antiambiental entre os entes federativos, em que a flexibilização de regras ambientais se tornaria moeda de troca para atração de investimentos com potencial de causar danos. O alinhamento nacional assegura previsibilidade para empreendedores, reduz disputas judiciais e mantém um padrão mínimo de proteção ambiental, garantindo segurança jurídica aos empreendimentos.”
3 – Preservação da Mata Atlântica
MUDANÇA NO PL: Veto para impedir a retirada do regime de proteção especial previsto na Lei da Mata Atlântica em relação à supressão de floresta nativa.
JUSTIFICATIVA: Segundo o governo, “a Mata Atlântica é um bioma reconhecido como patrimônio nacional pela Constituição Federal e já se encontra em situação crítica, com apenas 24% de sua vegetação nativa remanescente”.
4 – Direitos de povos indígenas e comunidades quilombolas
MUDANÇA NO PL: Foram vetados os dispositivos que restringiam a consulta aos órgãos responsáveis pela proteção de povos indígenas e comunidades quilombolas.
JUSTIFICATIVA: Segundo o governo, “a limitação proposta no texto do PL aprovado deixaria de fora uma série de povos e territórios em fase de reconhecimento pela Funai e pela Fundação Palmares, contrariando a Constituição Federal. O novo PL assegura a participação de ambos, prevenindo conflitos e fortalecendo a participação social nas decisões que impactam diretamente modos de vida e territórios tradicionais. Assim, mantém o que está previsto no regramento federal específico”.
5 – Cadastro Ambiental Rural (CAR)
MUDANÇA NO PL: Vetada a proposta que dispensa o licenciamento ambiental para produtores rurais com CAR ainda pendente de análise pelos órgãos ambientais estaduais.
JUSTIFICATIVA: Segundo o governo, “a medida protege o meio ambiente, uma vez que somente serão dispensados do licenciamento os proprietários rurais que tiveram o CAR analisado”.
6 – Condicionantes ambientais e medidas compensatórias
MUDANÇA NO PL: Vetado dispositivo que limitava a aplicação de condicionantes ambientais e medidas compensatórias apenas aos impactos diretos, excluindo os impactos indiretos ou os efeitos sobre serviços públicos agravados pela implantação do empreendimento.
JUSTIFICATIVA: Segundo o governo, “a medida assegura que, sempre que houver nexo de causalidade entre o empreendimento e os impactos ambientais – diretos ou indiretos -. possam ser exigidas medidas adequadas de mitigação, compensação ou controle, preservando a efetividade do licenciamento ambiental. No PL do Executivo a ser enviado, fica garantida a adoção de medidas para reforçar temporariamente serviços públicos que venham a ser pressionados ou sobrecarregados de forma excepcional em razão da implementação do empreendimento.”
7 – Proteção às Unidades de Conservação
MUDANÇA NO PL: Vetado artigo que retirava o caráter vinculante de manifestação de órgãos gestores de Unidades de Conservação no licenciamento de empreendimentos que afetem diretamente a unidade ou sua zona de amortecimento.
JUSTIFICATIVA: Segundo o governo, “a medida reforça a importância da avaliação técnica especializada na proteção de áreas ambientalmente sensíveis, assegurando que os impactos sobre Unidades de Conservação sejam devidamente analisados e considerados nas decisões de licenciamento pelos órgãos gestores responsáveis por essas áreas”.
8 – Licenciamento Ambiental Especial (LAE)
MUDANÇA NO PL: A criação da LAE (Licenciamento Ambiental Especial) constitui importante instrumento para modernização do processo de licenciamento. Contudo, foi vetado o dispositivo que estabelecia um procedimento monofásico, que autorizaria a expedição de todas as licenças ao mesmo tempo.
JUSTIFICATIVA: Segundo o governo, “o processo monofásico exigiria dos empreendedores antecipação de despesas relevantes antes mesmo de comprovada a viabilidade ambiental do empreendimento, que é um dos primeiros passos do processo. Por outro lado, geraria insegurança jurídica passível de judicialização.
9 – Responsabilidade de instituições financeiras na concessão de crédito
MUDANÇA NO PL: Foi vetado o dispositivo que enfraquecia a responsabilidade de instituições financeiras em casos de danos ambientais de projetos por elas financiados.
JUSTIFICATIVA: Segundo o governo, “a medida reforça a importância de que o crédito seja condicionado ao cumprimento da legislação ambiental, estimulando a prevenção de danos e alinhando o financiamento ao desenvolvimento sustentável. O PL do Executivo estabelece que o financiador deve exigir do empreendedor o licenciamento ambiental antes de conceder crédito”.
Congresso aprova projeto que enfraquece licenciamento ambiental
O que acontece agora?
O governo vai enviar ao Congresso um novo projeto de lei, com urgência constitucional, propondo redações ajustadas para pontos essenciais.
Para o caso da LAE, o presidente assinou uma Medida Provisória que dá eficácia imediata à licença. Pelo PL, ela só entraria em vigor em seis meses. Com a MP ela passa a valer imediatamente.
Análise dos ambientalistas
A especialista de políticas públicas do Greenpeace Brasil, Gabriela Nepomuceno, declarou que os vetos presidenciais são “medida essencial para corrigir distorções graves no texto aprovado pelo Congresso”.
“(…) consideramos que a decisão do governo é uma vitória da mobilização social, como respeito à vontade popular. A luta por um marco legal robusto para o licenciamento ambiental, entretanto, não se encerra aqui. Convocamos o Congresso Nacional, nessa nova chance, a honrar sua responsabilidade, priorizar a proteção de vidas e ecossistemas no apoio aos vetos presidenciais e conduzir um debate qualificado centrado no interesse público sobre a Medida Provisória e o Projeto de Lei, acima de pressões setoriais”, disse Gabriela.
O SOS Mata Atlântica cita que os vetos são uma vitória.
“Essa é uma vitória da sociedade: a lei foi sancionada pelo presidente Lula e pela ministra Marina Silva no primeiro governo do presidente, e não poderíamos agora, às vésperas da COP30, perder essa legislação, que é um legado da sociedade civil e de todos que defendem esse patrimônio nacional. A Mata Atlântica detém uma das maiores biodiversidades do planeta e presta relevantes serviços ambientais ao país — como garantir água e ajudar a mitigar as mudanças climáticas”, afirma Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica.
Apesar disso, as entidades informaram que só seria possível uma análise de balanço depois da publicação completa do texto oficial.
Bastidores dos vetos
A decisão foi tomada após uma sexta-feira de movimentações no Planalto. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, se reuniu com o presidente Lula pelo segundo dia consecutivo para debater os vetos. Também participaram da reunião a secretária de Relações Internacionais, Gleisi Hoffmann; o Advogado-Geral da União, Jorge Messias; e a Secretária-Executiva da Casa Civil, Miriam Belchior.
Segundo o ministério do Meio Ambiente, nessas reuniões, os técnicos fizeram uma análise sobre os pontos mais sensíveis do texto para o veto e oferecendo redações alternativas. Dois pontos vinham concentrando críticas de Marina: o licenciamento especial, que diz respeito a obras prioritárias de governo, e a concessão automática de licenças.
Aprovação e tramitação do PL
O PL foi aprovado na madrugada de 17 de julho sob críticas de ambientalistas e celebração da bancada ruralista.
Os ambientalistas apontam que o documento foi o maior retrocesso na legislação ambiental no país. Já os deputados da bancada ruralista afirmam que o PL destravaria investimentos e permitiria a realização de obras de infraestrutura atualmente suspensas por questões envolvendo órgãos ambientais.
Entre os pontos alvos de críticas do PL do Licenciamento Ambiental estavam:
Criação de Licença Ambiental Especial (LAE): autoriza obras classificadas como “estratégicas” pelo governo, mesmo com alto potencial de degradação. A emissão será acelerada: prazo máximo de 12 meses, com validade de cinco a dez anos.
Dispensa de licenciamento: elimina a exigência para ampliação de estradas, atividades agropecuárias, tratamento de água e esgoto, e pequenas barragens de irrigação. Apenas aterros sanitários seguem exigindo permissão ambiental.
Renovação automática: permite renovação de licenças por autodeclaração, desde que não haja mudanças na atividade ou nas regras.
Autodeclaração nacionalizada: o empreendedor pode declarar, pela internet, que cumpre os requisitos, sem análise prévia do órgão ambiental. O modelo, já adotado em alguns estados, valerá para todo o país — inclusive para empreendimentos de médio porte com potencial poluidor.
Enfraquecimento do Ibama e do Conama: transfere responsabilidades de licenciamento para estados e municípios e anula partes da Lei da Mata Atlântica, facilitando o desmatamento de florestas primárias e secundárias.
Desproteção de comunidades tradicionais: terras indígenas e territórios quilombolas não homologados deixam de ser consideradas áreas protegidas. Segundo o ISA, isso afeta cerca de 18 milhões de hectares — o equivalente ao território do Paraná.
Risco a sítios arqueológicos: restringe a atuação do Iphan, que só poderá se manifestar se houver bens históricos já identificados no local. A Sociedade de Arqueologia Brasileira alerta para perdas irreversíveis.
Aprovado na Câmara dos Deputados, afrouxamento do licenciamento ambiental segue para sanção de Lula
Jornal Nacional/ Reprodução
Preocupação com o petróleo
Assim que o PL foi aprovado, especialistas apontaram que as licenças por decreto que passariam a ser permitidas ao governo poderia, entre outros problemas, acelerar a exploração de petróleo perto da Foz do Amazonas.
➡️ Entre os pontos do projeto está a criação de uma modalidade de licença com critério político: o Licenciamento Ambiental Especial. A proposta foi feita pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União), que é do Amapá, o estado que seria mais beneficiado pelos royalties gerados pela exploração do petróleo nessa região.
Por essa proposta, os projetos considerados prioritários pelo governo teriam as licenças aceleradas, concedidas por decreto com avaliação em fase única.
Para obter esse tipo de licença, seria necessário realizar um estudo sobre o impacto ambiental do projeto. No entanto, o prazo máximo para a autorização é de um ano — mais rápido que o tempo de um licenciamento tradicional.
Embora o texto aprovado na Câmara não cite licenças para petróleo e gás, especialistas afirmam que a construção da proposta “cai como uma luva” para acelerar autorizações na Foz do Amazonas. Há um mês, o governo realizou um leilão para cessão de direito de exploração em 19 blocos nessa área e arrecadou R$ 844 milhões.
Câmara aprova flexibilização do licenciamento ambiental
Ex-ministros do Meio Ambiente assinam carta contra PL do Licenciamento Ambiental
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