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Diante das mudanças climáticas, pesquisa genética e tecnologia revolucionam plantio do café no Brasil

por Redação
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Piatã, Bahia. Dois de janeiro. A seca de 2024 trouxe um efeito inesperado: um incêndio bem quando a chuva já deveria ter afastado esse risco. Durante a noite, a cidade assiste ao rastro de destruição das chamas. Pela manhã, Moacir checa as plantas esturricadas no caminho que o fogo fez no seu cafezal.

“Isso aqui é a nossa safra. Infelizmente perdeu, queimou tudo. Perdemos um café de qualidade, o ganha-pão da gente”, conta Moacir.

Interior de São Paulo, julho de 2025. Lá, cafezais também foram queimados, de um jeito diferente.

“Olha só como ficam as folhas pós-geada. É como se tivesse sido fogo mesmo”, mostra o repórter Tiago Eltz.

Geadas não são novidade na história de 138 anos de uma fazenda em Serra Negra. Mas uma sequência de anos ruins levou a um quase colapso de uma das áreas.

Natalia Luglio, cafeicultora: Essa área aqui a gente tinha uma expectativa de 50 sacas e a gente colheu 3,9 sacas. Tudo isso aqui era para estar cheio de café.
Tiago Eltz, repórter: Era para estar da sua altura de café?
Natalia Luglio: Exatamente.
Repórter: Hoje tem esse cantinho aqui.

O vazio de lá refletiu nas prateleiras dos supermercados, no seu bolso. O clima dificultou a produção no mundo e levou os preços às alturas.

“Foi um ano de tristeza. E as contas, a gente já pagou, só que o retorno financeiro que era para vir agora não vem mais”, afirma Natalia Luglio.

Diante das mudanças climáticas, pesquisa genética e tecnologia revolucionam plantio do café no Brasil — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

Mas calma, isso não é o fim. Essa não é uma história de desistência, é uma história de agricultura.

Repórter: Você está aumentando a área de café aqui?
Natalia Luglio: Eu estou aumentando.

O cafezal vai passar a ser irrigado. Novas variedades, mais resistentes à seca, estão chegando. Árvores já começaram a ser plantadas no meio da lavoura.

“Não vai dar mais para produzir café do jeito que a gente sempre produziu. A temperatura não é mais a mesma, e a gente está se antecipando porque imagina que vai ficar pior daqui a alguns anos nessa questão das mudanças climáticas. A cafeicultura vai tomar um novo rumo que vai fazer ela continuar existindo por muitos anos”, diz Natalia Luglio.

Novo rumo pode significar novos endereços? Cacoal, Rondônia. Agosto de 2025. O café mais produtivo do Brasil é desconhecido de boa parte dos brasileiros: o café robusta.

Repórter: Isso aqui é muito café, cara.
Juan Travain de Souza, cafeicultor: É robusto, né? É bastante café.

O grão parece idêntico ao arábica, o café que todo mundo conhece. Mas quase tudo no cultivo é diferente.

Repórter: Isso aqui, para quem está acostumado só com café arábica, é meio assustador de ver logo no começo, porque ele está cortando os galhos da planta.
Juan Travain de Souza: Nós precisamos podar essas ramas que já produziram até 50% para que a planta tenha o estímulo para soltar mais copa para produção do próximo ano.
Repórter: O normal no arábica é: ou ele vem e puxa isso aqui, sai puxando tudo e colhe. Ou, se for bem específico, selecionando, em uma colheita seletiva ele vai tirando de grão em grão.

Diante das mudanças climáticas, pesquisa genética e tecnologia revolucionam plantio do café no Brasil — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

Nos últimos 25 anos, a pesquisa genética e os altos investimentos em tecnologia fizeram a produção do robusta amazônico saltar de dez sacas por hectare para 68. Quase três vezes a média da produção de arábica no país.

Na propriedade do cafeicultor Juan Travain de Souza, com drones e irrigação computadorizada, os números são ainda mais impressionantes.

“A gente, hoje, consegue uma produção nesse espaçamento em torno de 170 sacas por hectare”, conta Juan.

Historicamente, o café robusta sempre foi mais barato que o arábica. Mas, em 2024, a escassez fez o preço subir e transformou a vida do cafeicultor Fred Dellarmelino.

Fredson Dellarmelino, cafeicultor: Toda essa estrutura – caminhão, máquina, secador – foi 2024, agora com o preço do café.
Repórter: Está brincando? Então, você encheu o galpão inteiro com café…
Fredson Dellarmelino: Aproveitemos a oportunidade. A chance apareceu e não perdi não, peguei ela com as duas mãos.
Repórter: Mas isso porque o preço do café estava incrível.
Fredson Dellarmelino: Ajudou muito. Para você ver, quando eu colhi estava de R$ 800, R$ 900. Foi parar em R$ 2 mil.

E pensar que depois de tudo isso, a gente ainda nem falou do que nos trouxe aqui. Viemos para investigar essa hipótese:

“O robusta tolera calor, é extremamente produtivo e é resistente a pragas e doenças importantes. Se nós tivermos um avanço dessas mudanças climáticas, talvez a garantia de que não nos falte café – e café com qualidade – no futuro esteja justamente nos cafés robustas”, afirma o pesquisador da Embrapa Enrique Alves.

Mas para salvar o café, não dá para pôr em risco a Amazônia. E o que produtores e pesquisadores afirmam é que dá para fazer o contrário. O café ocupa menos de 1% das matas de Rondônia. Região que tem quase metade de seu território desmatado, coberto com pastagens. De acordo com as contas da Embrapa, se apenas 25% dos pastos degradados forem convertidos em cafezais de robusta, sem avançar nem um centímetro na floresta, Rondônia passaria o Vietnã e se tornaria o maior produtor mundial dessa variedade de café.

“Se você ocupar essas áreas degradadas, por exemplo, você está entrando com uma agricultura e recuperando elas. Então, você está acrescentando mais carbono nessa área. Então, ela está sendo mais sustentável. Talvez no Brasil e no mundo, acho que é a única região que tem tantas condições de se expandir o café: áreas planas e áreas ainda degradadas para ocupar com o café”, afirma o pesquisador da Embrapa Carlos Cesar Ronquim.

E o café é uma alternativa muito melhor – financeira e ambientalmente.

“Teria um impacto social e de geração de renda imenso. Você precisa garantir qualidade de vida de quem vive na região amazônica se você quer ter preservação ambiental”, diz o pesquisador da Embrapa Enrique Alves.

Diante das mudanças climáticas, pesquisa genética e tecnologia revolucionam plantio do café no Brasil — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

O robusta sempre foi meio escondido nos produtos, considerado um café sem qualidade. Algo que Rondônia vem tentando mudar.

Repórter: É diferente de tudo que eu já tomei de café. Eu acho que esse robusta, a gente não pode nem fazer a comparação com o arábica. Ele é outra bebida. Ou estou enganado?
Enrique Alves: É como se você estivesse comparando vinho branco e vinho tinto. Os dois têm seu padrão de qualidade, os dois são agradáveis e têm seu público e momento definido.

70% do café produzido no país é arábica. Não há expectativa de uma competição ou de que o robusta tire lugar dos mais desejados, consumidos e valorizados cafés do Brasil e do mundo. Mas o robusta vem encontrando seu espaço. Os cuidados na produção, na colheita e no processamento deram a qualidade que faltava para ele brilhar.

E, nesse quesito, nada foi mais impactante até agora do que o café produzido na Terra Indígena Sete de Setembro. Em uma competição em 2024, dois jurados deram nota 100 para ele. Consideraram o café do meio da floresta selvagem um café perfeito.

“Mudou a vida. O que eu vi que mudou, para jovem, principalmente o jovem, porque ele queria morar na cidade, querer emprego. Hoje em dia, não. Ele quer trabalhar para aldeia, ele quer ser autônomo. Quer trabalhar café”, conta o cafeicultor cacique Rafael Mopimop Suruí.

Algo que todo mundo está querendo replicar.

“O que a gente quer fazer? Compreender essa relação entre ambiente e o café, principalmente nessas áreas onde é tudo muito mais preservado, para depois tentar replicar nas áreas tradicionais de produção”, diz Enrique Alves.

Entender, melhorar, reproduzir. O resumo da pesquisa científica brasileira na agricultura conecta Rondônia com um outro canto do país: Instituto Agronômico de Campinas. A data? Pode por aí: passado e futuro da cafeicultura brasileira.

“Dessa coleção aqui, foi bastante coisa para Rondônia, entre 76 e 90, mais ou menos”, conta o pesquisador do IAC Oliveiro Guerreiro Filho.

Plantas do IAC foram levadas e trabalhadas pela Embrapa na Amazônia e, bom, o resto agora você já sabe. Na década de 1950, eles já haviam criado a variedade de arábica que aumentou a produção brasileira em 240%. E seguem inovando para garantir que ele nunca falte nas nossas xícaras.

“A gente insere genes de resistência a pragas, doenças, faz variedades com tolerância à seca. Muda uma série de características que têm importância para a cafeicultura”, explica Oliveiro Guerreiro Filho.

Diante das mudanças climáticas, pesquisa genética e tecnologia revolucionam plantio do café no Brasil — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

O segredo do IAC está espalhado por centenas de variedades de café que às vezes nem café parecem. Um punhado de diversidade: cada frutinho desses é de uma espécie diferente de café. Plantas que vieram de diversos países formaram um tesouro inestimável que pode nos levar pelos desafios de um mundo em transformação.

“É só explorando a diversidade que você tem chance de encontrar alguma coisa que te sirva”, afirma Oliveiro Guerreiro Filho.

Não dá para afirmar ainda como a produção de café vai ser no futuro. Mas dá para afirmar que o Brasil tem a terra, as plantas, os técnicos, cientistas, tem os agricultores para construir esse futuro.

Nesta quinta-feira (9), o último episódio da série vai mostrar a produção de cacau e outras frutas no sistema de agrofloresta.

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