Mariana Forti escreveu um livro sobre sua experiência com próteses de silicone: “Explante, explante meu”
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Aline Hubner, 41, lembra com detalhes do dia em que acordou sem conseguir sustentar o próprio pescoço. Havia colocado próteses de silicone seis anos antes, em 2016. Marca conhecida, garantia de dez anos, tudo dentro do prometido. Anos depois, os sintomas foram se acumulando: enxaquecas, manchas na pele, alergias, infecções de repetição.
Em 2022, veio a dor lancinante na coluna e no pescoço, acompanhada de formigamentos no braço. O exame revelou um extravasamento de oito centímetros de silicone alojado no plexo braquial; o material também aparecia na axila, clavícula, esterno e costelas.
“Minha cirurgia começou às 10h e terminou às 23h. Não foi possível retirar todo o gel porque virou uma ‘meleca’ extracapsular. Nódulos de silicone se formaram em todo o meu corpo. Perdi linfonodos do braço e hoje vivo com adoecimentos recorrentes. Os médicos disseram que se eu não explantasse, morreria”, conta Aline, que recebeu diagnóstico de síndrome ASIA (condição autoimune associada a adjuvantes).
ATENÇÃO: IMAGENS FORTES
Imagens fortes
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Prótese de silicone “normal” e prótese rompida, de Aline Hubner
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Siliconoma, “nódulos de silicone” formados pelo extravasamento do gel – Aline Hubner
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Uma tendência que cresce
Os números ajudam a dimensionar o tamanho do tema. O Brasil quase dobrou o total de cirurgias de retirada de implantes em oito anos: 18,4 mil em 2016 para 42,2 mil em 2024, com aceleração sobretudo de 2022 a 2024.
Especialistas ouvidos pelo g1 veem nesse salto a combinação de maior atenção médica aos riscos, mudança de preferências estéticas e relatos de complicações que passaram a circular entre pacientes.
Explantes de silicone no Brasil
No que a ciência converge
Em 2021, a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos Estados Unidos, revisou as regras para implantes. Desde então, a venda passou a exigir consentimento informado, com tarja de alerta e materiais explicativos.
⚠️ “Boxed warning” (tarja de alerta)
Um aviso destacado em todas as bulas e materiais informando que:
implantes mamários não são dispositivos para a vida toda;
quanto mais tempo permanecerem no corpo, maiores os riscos de complicações;
algumas pacientes precisarão de cirurgias adicionais;
implantes estão associados a complicações locais, sintomas sistêmicos e ao linfoma anaplásico de grandes células (BIA-ALCL).
📋 Checklist de decisão informada
Antes da cirurgia, a paciente deve ler e assinar um documento com informações sobre:
possíveis complicações (contratura capsular, ruptura, dor, alterações de sensibilidade, seromas, infecções, necessidade de reoperação);
risco de ruptura silenciosa em implantes de gel;
associação com linfoma anaplásico de grandes células (BIA-ALCL) e raros casos de outros tumores, como o carcinoma de células escamosas.
possibilidade de sintomas sistêmicos inespecíficos (chamados de breast implant illness).
Essas mudanças não significam que os implantes sejam proibidos, mas que devem ser usados com acompanhamento médico e total transparência de riscos e benefícios.
“Na prática clínica, vemos que o silicone não é inerte: o corpo forma uma cápsula para isolar o material, e é nessa interface que podem surgir problemas — da contratura a processos inflamatórios”, afirma o mastologista Wesley Andrade, mestre e doutor em Oncologia.
Ele pondera: “Há milhões de mulheres com implantes e menos de 2 mil casos registrados de BIA-ALCL no mundo – e menos de 30 registros de carcinoma espinocelular associado à prótese. Em reconstrução pós-mastectomia, o benefício costuma superar o risco; no cenário estético, a decisão precisa ser bem informada. A paciente precisa saber dos riscos para tomar a decisão que lhe convir”.
Ainda assim, a subnotificação é grande, uma vez que o diagnóstico de doenças relacionadas ao silicone é feito, na maior parte das vezes, por exclusão.
Inflamação persistente
A escritora Mariana Forti, 33, colocou próteses em 2014, quando tinha 23. Poucos meses depois, começaram as reações: vermelhidão intensa nos seios, febre local e uma pele que parecia “papel manteiga”. Mesmo após nova cirurgia para reposicionar o implante, a inflamação voltou com mais força. O cabelo começou a cair, ela passou a ter tonturas frequentes e visão turva, além de urticária crônica.
“Passei anos indo a médicos sem respostas. Alguns cogitaram lúpus, mas os exames não confirmavam nada. Todos só convergiam na impossibilidade de os sintomas estarem relacionados ao silicone. Só depois descobri que, sim, eles estavam relacionados”, conta.
O processo de adoecimento a levou à depressão, afastamento do trabalho e dificuldades no cotidiano. O episódio foi decisivo a ponto de levá-la a escrever um livro sobre o tema, no qual narra o processo de adoecimento e recuperação após o explante.
Mariana Forti fez nova cirurgia para reposicionar o implante, mas a inflamação voltou com mais força.
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Para o reumatologista especialista em condições autoimunes Caio Zanetti, casos como o de Mariana ilustram o desafio diagnóstico: sintomas difusos, exames normais e a possibilidade de uma ligação com o silicone ainda em debate.
Para sintomas sistêmicos, a relação com o silicone varia entre pacientes e nem sempre há reversão completa após o explante; ainda faltam marcadores e ensaios robustos.
“Hoje, o melhor que a ciência oferece é observar o conjunto: história clínica, exclusão de outras causas, padrões de imagem e evolução após condutas”, diz Caio Zanetti.
g1 traduz: doença do silicone x síndrome ASIA
O reumatologista propõe separar dois fenômenos que frequentemente aparecem misturados no debate:
Doença do silicone: quadro de intoxicação crônica por vazamento do gel (o chamado gel bleeding), com sintomas gerais como fadiga, névoa mental, ansiedade, cefaleia e alterações gastrointestinais. A hipótese é que micropartículas do silicone escapem gradualmente ao longo do tempo e se depositem em tecidos e linfonodos. A literatura sobre a frequência do gel bleeding ainda é escassa; um estudo pequeno encontrou ocorrência em torno de 5%, mas são dados iniciais. Retirar a prótese interrompe a nova migração, mas não remove o silicone que já se espalhou.
Síndrome ASIA (autoimunidade induzida por adjuvantes): em pessoas geneticamente predispostas, substâncias externas (como o silicone) poderiam disparar uma desregulação imunológica com sintomas inflamatórios —dor articular, diminuição do fluxo sanguíneo nas extremidades, olho e boca secos, urticária, queda de cabelo, febre baixa persistente. Os critérios diagnósticos propostos (exposição a adjuvante + sintomas compatíveis + melhora após retirar o adjuvante) são controversos e insuficientes para cravar causalidade.
“É por isso que parte da comunidade médica é cética: faltam marcadores objetivos e estudos robustos de longo prazo. E isso acontece porque a literatura começou a falar sobre isso muito recentemente, em 2011. Por isso a análise clínica nesse caso é imprescindível”, diz Zanetti.
O cirurgião plástico americano Dave Rankin acrescenta em entrevista ao g1 que, embora o mecanismo fisiopatológico siga em estudo, há convergência clínica: “Mulheres com sintomas sistêmicos frequentemente melhoram após a retirada — inclusive quando o implante está intacto”.
Tatudadora Chris Rodriguez fez o explante há três semanas
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Ruptura e sensação de alívio
A busca pelo “peito perfeito” transformou a vida da tatuadora Chris Rodriguez, 30, em uma rotina de desconfortos: dermatite, dor articular, ansiedade e queda de cabelo. Anos depois, um exame revelou que a prótese havia se rompido.
O explante foi traumático — “o pós-operatório mais dolorido que já vivi” —, mas trouxe uma sensação imediata de alívio. “Nos primeiros três dias sofri muito. Mas depois, parecia que o corpo respirava: os olhos secos, as dores nas articulações e as dormências sumiram instantaneamente”, relata.
Segundo Dave Rankin, muitos relatos semelhantes aparecem na literatura: mulheres que melhoram mesmo quando os implantes estavam intactos. “É um dado clínico que não pode ser ignorado, embora os mecanismos ainda não sejam totalmente compreendidos”, afirma.
Exames normais?
Para o radiologista Eduardo Fleury, pós-doutor pela Universidade de São Paulo (USP), parte do problema no diagnóstico está em usar protocolos feitos para rastrear câncer (como o BI-RADS) para descrever alterações da cápsula e do implante. “A ressonância mostra sinais precoces e evolutivos de desgaste capsular, mas muitas pacientes saem com laudo normal porque o protocolo não foi desenhado para isso.”
Ele defende classificadores específicos para implantes e lembra que, em 2020, a discussão regulatória passou a admitir vazamento do gel e alterações imunológicas associadas ao silicone mesmo em pacientes assintomáticas.
A FDA, por sua vez, orienta acompanhamento periódico por ressonância magnética ou ultrassom e informa que a ruptura de gel pode permanecer “silenciosa” (sem mudar forma ou textura).
Sinais de alerta
Ruptura/gel bleeding pode causar diminuição do volume, mudança de forma, nódulos endurecidos no tórax ou axila, dor/sensibilidade, formigamentos, inchaço, queimação, alterações de pele.
BIA-ALCL (linfoma) tem entre os principais sintomas: inchaço persistente tardio da mama, seroma ou dor ao redor do implante — procurar mastologista ou cirurgião plástico. A avaliação envolve exame físico, imagem e, quando indicado, análise do líquido/tecido.
Sintomas sistêmicos (fadiga, dor articular, névoa mental, pele/olhos/boca secos, urticárias): exigem investigação clínica — inclusive para outras causas comuns — e discussão franca sobre riscos, incertezas e possibilidades de explante.
Brasileira de 38 anos morre por câncer raro associado a implante de silicone
O que consideram os especialistas
Para a líder nacional de Mastologia da Rede Américas Natália Polidoro, benefícios do silicone existem — especialmente na reconstrução pós-câncer — e muitas mulheres não terão complicações significativas.
“O ponto é informar sem alarmar: é um tratamento médico com efeitos colaterais possíveis, e a decisão deve ser compartilhada”, reitera Zanetti.
Ainda assim, o que os médicos afirmam é que mulheres devem saber de todos os riscos antes de decidirem colocar a prótese, coisa que ainda não acontece.
Direitos legais
Especialista em direito da saúde, a advogada Rita Soares diz que ações judiciais têm responsabilizado fabricantes principalmente em casos de ruptura. Outros diagnósticos, como contratura capsular ou síndrome ASIA, ainda encontram resistência na Justiça.
“O fabricante tem responsabilidade sobre o produto implantado. Algumas empresas oferecem garantia vitalícia, mas, na prática, costumam oferecer apenas um novo par de próteses — e não os custos de uma nova cirurgia”, explica.
Segundo ela, “é fundamental que as pacientes guardem seus prontuários e notifiquem complicações à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para que não haja subnotificação”, orienta.
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