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Quais os riscos econômicos se Brasil declarar facções criminosas como terroristas?

por Redação
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A Câmara de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados deve colocar em pauta nesta terça-feira (4) um projeto de lei que amplia o conceito de terrorismo para incluir organizações criminosas e milícias privadas.

Veja os vídeos que estão em alta no g1

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O projeto de lei 1.283/2025 é de autoria do deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) e relatado pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).

O projeto altera a Lei Antiterrorismo (13.260, de 2016) para “ampliar as motivações do crime de terrorismo, especificar infraestruturas críticas e serviços de utilidade pública, estender a aplicação da lei a organizações criminosas e a milícias privadas que realizem atos de terrorismo, além de estabelecer majorante para ato de terror cometido por meio de recurso cibernético”.

Ferreira já anunciou que pretende abrir mão da relatoria do projeto para que ela seja assumida pelo secretário estadual de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite (PP-SP), que anunciou que vai se licenciar do cargo e voltar à Câmara dos Deputados, para liderar a questão e vê-la aprovada no Plenário.

O projeto foi aprovado pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e tramita em regime de urgência.

Ferreira deu um parecer favorável para que o projeto de lei seja aprovado na CCJ — comparando os grupos criminosos a um Estado paralelo.

“Se se observa que um Estado qualquer, mesmo que seja um Estado paralelo, está usurpando a soberania nacional, inclusive do ponto de vista territorial, para oprimir nossos concidadãos, é mister que se entre imediatamente em guerra contra tal estado”, disse o deputado no seu parecer.

“Para isso deve-se utilizar todas as ferramentas que o Direito oferece. A presente iniciativa legislativa consiste em uma dessas ferramentas”

Mas especialistas e acadêmicos com que a BBC News Brasil conversou afirmam que a aprovação de projetos que ampliem o conceito de terrorismo no Brasil para abranger as facções criminosas podem ter efeitos negativos na economia brasileira — abrindo o país a sanções internacionais.

Efeitos indesejados e de grande escala

Ao justificar seu projeto de lei, o deputado Danilo Forte afirma que a classificação de grupos criminosos como terroristas daria mais ferramentas ao poder público para lidar com as facções.

“Neste sentido, este Projeto de Lei ao tipificar atos de terror praticados por grupos criminosos organizados na Lei Antiterrorismo brasileira, possibilita a responsabilização dos integrantes e líderes dessas organizações por atos preparatórios, antecipando a tutela penal para reforçar a capacidade de prevenção e resposta a essas ameaças antes que se concretizem”, afirma Forte no projeto de lei.

“Além disso, a competência investigativa passa a ser atribuída à Polícia Federal, garantindo uma investigação mais especializada e abrangente.”

Ele argumenta também que haveria maior facilidade para apreensão de bens de criminosos classificados como terroristas.

“A possibilidade de decretação de medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado assegura que os recursos utilizados para financiar tais atividades sejam identificados e bloqueados, desarticulando financeiramente os indivíduos ou redes responsáveis por tais atos de terror”, diz o deputado no projeto de lei.

“Ressalte-se que essas medidas de congelamento de bens e valores podem ser realizadas em cooperação internacional, o que é essencial diante da natureza transnacional do crime organizado no Brasil.”

Mas para o ex-policial e pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Roberto Uchôa, a simples redesignação de facções criminosas como grupos terroristas não teria efeitos práticos significativos no combate a grupos como o PCC e o CV.

E além disso, segundo ele, uma nova lei nesse sentido teria um efeito indesejado para a economia brasileira — e talvez de grande impacto.

“Eu acho que nem os deputados têm noção do que eles estão fazendo. Eu acho que para variar, é mais uma uma discussão legislativa com base no fígado”, disse Uchôa à BBC News Brasil.

Ele acredita que se o Brasil passar a classificar as facções como terroristas, países como os EUA “automaticamente vão designar também”.

“Dificilmente eles não vão acompanhar a legislação brasileira”, diz Uchôa, que é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (ONG apartidária que reúne especialistas na área).

“Isso tem algumas consequências que esses parlamentares não estão verificando. Para começar, isso dá um poder para os americanos sancionarem e prenderem qualquer pessoa ligada a essas organizações.”

Projetos de lei que equiparam facções a grupos terroristas ganharam impulso após megaoperação policial no Rio de Janeiro na semana passada — Foto: EPA via BBC

Como a redesignação de facções criminosas poderia afetar a economia nacional?

O ex-policial e pesquisador dá como exemplo um fundo de investimento que seja apontado em investigações brasileiras como possivelmente conectado a uma organização criminosa.

“Você imagina que essa empresa que tem um fundo de investimento ligado ao PCC seria a primeira a ser sancionada [internacionalmente]. Começa-se sancionando ela, e depois pode se ir sancionando outras tantas empresas que tiveram de alguma forma ligações com esse fundo de investimento. A escala disso, nós não sabemos onde pode parar. ”

Por isso, empresas e indivíduos de todos esses setores estariam teoricamente expostos a sanções internacionais que visem combater terrorismo — caso houvesse indício de alguma conexão com o crime organizado.

Do PIX ao Banco do Brasil

Em agosto, a Polícia Federal deflagrou três operações (Carbono Oculto, Quasar e Tank) que demonstraram o quão profunda são essas conexões entre o crime organizado e a economia nacional.

A estimativa da PF é de que um esquema operado pelo PCC tenha movimentado pelo menos R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.

Uma reportagem da BBC News Brasil mostrou como investigações policiais indicaram que o PCC controla postos de gasolina para ganhar dinheiro sonegando impostos e adulterando combustível. Os mesmos postos — além de padarias e lojas de conveniência — seriam então usados para lavar dinheiro do tráfico de drogas.

Segundo as investigações, os recursos ilícitos eram ocultados com ajuda de fintechs, empresas de tecnologia que oferecem serviços financeiros.

Por fim, havia a suposta participação de fundos de investimento sediados nas imediações da Faria Lima para a blindagem do patrimônio do PCC contra eventuais investigações.

“Bancos, fintechs, mercado financeiro… a Carbono Culto é uma evidência do tamanho da infiltração do crime organizado no mercado financeiro. Veja só a quantidade de empresas legais que poderia se dizer que têm envolvimento com dinheiro de origem ilegal.”

Segundo Uchôa, não é nem preciso haver condenação de nenhuma empresa ou indivíduo para que ele sejam sancionados internacionalmente. As decisões de sanções são discricionárias dos governos — bastando por exemplo a citação em investigações.

Isso seria particularmente problemático no caso de agentes públicos, segundo ele.

“Vamos pensar como é que seria, por exemplo, alguma investigação que apontasse envolvimento de agente público brasileiro com essas organizações criminosas, o que não é difícil, porque a corrupção envolvendo agentes públicos e organizações criminosas no brasileiro é algo de conhecimento geral”, diz.

“Os americanos poderiam sancionar todo mundo que possa ter alguma ligação. Haja concurso público para botar gente no lugar da quantidade de gente que vai ser sancionada dentro do serviço público da gestão pública brasileira.”

Outro problema seria o aumento dos custos para as empresas.

“Esse tipo de legislação abre as portas para uma quantidade impressionante de sanções em vários agentes do mercado. O país está pronto para isso?”

“Isso vai exigir um nível de compliance e um nível de preparo para evitar a entrada do dinheiro ilegal que vai gerar um custo impressionante para as empresas e bancos e tudo mais.”

Rafael Alcadipani, professor da Fundação Getúlio Vargas, concorda com a avaliação de que sanções americanas — no caso de os EUA considerarem o PCC e o CV como grupos terroristas — podem ter efeitos amplos no Brasil.

“Eles [os EUA] teriam a possibilidade de criar sanções e tomar ativos de forma muito mais rápida. Por exemplo, se o governo americano de repente considerar que o Pix e o sistema bancário brasileiro têm infiltração das facções criminosas, e que por isso precisa ser descartado do sistema Internacional, ele pode agir. Isso pode gerar sanções que são sanções mais pesadas”, diz Alcadipani, também integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Isso pode trazer complicações muito maiores para o Brasil, inclusive de ordem geopolítica. O governo americano poderiam tomar ativos na hora que eles quiserem. Se eles decidirem, em um exemplo extremo, que terroristas estão fazendo transações econômicas pelo Banco do Brasil, os EUA poderiam adotar sanções fortes sobre o Banco do Brasil.”

EUA e ‘narcoterroristas’

Em visita a Brasília em maio, o responsável pelo setor de sanções do Departamento de Estado, David Gamble, solicitou formalmente que o Brasil adotasse a designação de terroristas ao PCC e CV.

Em reuniões com representantes do Ministério da Justiça, Gamble argumentou que essas facções criminosas têm conexões com cartéis internacionais e representam uma ameaça à segurança dos EUA.

O governo brasileiro, porém, rejeitou o pedido. O argumento citado na época pelo secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, em entrevistas à imprensa, foi o de que facções como PCC e CV não se enquadram na definição de terrorismo da legislação brasileira.

Uchôa afirma que mesmo que o Brasil não classifique PCC e CV como narcoterroristas, países estrangeiros ainda assim podem fazê-lo. Na semana passada, Argentina e Paraguai anunciaram que adotariam essa postura.

“Os americanos não precisam de autorização do Brasil para fazer isso. Eles podem fazer unilateralmente, como fizeram com a Venezuela ou com o México”, diz.

Em entrevista à BBC News Brasil, o relator especial da ONU sobre Direitos Humanos e Contraterrorismo, Ben Saul, disse que o uso de legislações antiterrorismo contra grupos criminosos pode abrir caminho para outros tipos de abusos.

Ele cita o caso dos EUA, que em abril deste ano designou oito cartéis de drogas — como o mexicano Sinaloa e o venezuelano Tren de Aragua — como organizações terroristas.

Depois dessa designação, segundo Saul, o governo americano passou a deportar imigrantes venezuelanos acusando-os de ligações com o Tren de Aragua. E começou também a atacar barcos no mar do Caribe e no oceano Pacífico, classificando os seus ocupantes de “narcoterroristas”.

“Antes de os EUA invocarem a Lei de Estrangeiros Inimigos para deportar centenas de venezuelanos para El Salvador sob a alegação de suspeita de terrorismo, a primeira coisa que eles fizeram foi declarar o Tren de Aragua como uma organização terrorista. E depois disso é que vieram as deportações sumárias”, disse Saul.

“Agora, temos ataques militares contra os chamados narcoterroristas, dizimando-os no Caribe. Portanto, muitas vezes é um caminho para uma série de abusos ainda maiores.”

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