Audiência pública, convocada pelo ministro Flávio Dino, discute a obrigatoriedade do pagamento de emendas parlamentares e reúne presidentes da Câmara e do Senado. Dino sobre emendas: ‘Não há usurpação de competências’
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu nesta sexta-feira (27) a análise da Corte sobre ações que discutem as regras para pagamento de emendas parlamentares.
Relator nessas ações, Dino afirmou que não há “usurpação” de Poderes. Para o magistrado, o debate sobre os critérios das emendas não se trata de uma vontade individual ou de partidos.
“O tema das emendas impositivas perpassa o governo da presidenta Dilma, do presidente Temer, Bolsonaro, do presidente Lula e do próximo presidente, seja quem for. Não estamos tratando de um tema de interesse de um governo”, afirmou.
Flávio Dino deu as declarações em uma audiência, convocada por ele, para discutir a obrigatoriedade do pagamento de emendas parlamentares — a chamada impositividade.
Segundo ele, a análise das regras para pagamento de emendas é necessária diante do sistema constitucional e da separação de Poderes. Ao abrir o evento, o ministro ressaltou que o dinheiro público exige responsabilidade.
Dino também avaliou que, se não houver “emendas parlamentares ajustadas à sua finalidade”, a “conta” será paga pelo povo.
“Temos um sistema constitucional a ser [debatido] ou modificado pelo Congresso, que pode fazê-lo a qualquer tempo, salvo em relação à forma federativa de Estado. Todos os outros elementos podem ser revogados pelo Congresso Nacional no momento que quiser. Se o Congresso Nacional quiser tirar a responsabilidade fiscal da Constituição, pode tirar. Se o Congresso quiser tirar o presidencialismo da Constituição, pode tirar. Assim como também pode desconstitucionalizar o devido processo legal orçamentário”, disse.
“Mas, enquanto estiver na Constituição, não se cuida de uma invasão do Supremo, e, sim, de um dever. Se nós temos normas constitucionais que estão, aparentemente, em dissonância, a harmonização de tais normas é uma atividade tipicamente jurisdicional em todos os países do mundo [e] enquanto o Brasil for regime democrático. Portanto, não há nenhum intuito de usurpação de atribuições de outros Poderes”, concluiu o ministro.
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Mudanças nas emendas
Ao longo dos últimos anos, o Congresso transformou, por meio de mudanças na Constituição, dois tipos de emendas em impositivas: as individuais e as de bancada.
As emendas parlamentares são recursos que deputados e senadores destinam a seus redutos eleitorais para a realização de obras e projetos. Com o passar dos anos, esses valores representam uma parte — cada vez mais significativa — do Orçamento da União.
Em 2025, o montante reservado para esses gastos é de cerca de R$ 50 bilhões — deste total, R$ 39 bilhões são destinados às emendas que o governo é obrigado a pagar ao longo do ano.
Ao longo dos últimos anos, o Supremo tomou decisões que forçaram o Congresso a mudar as regras para o pagamento das emendas. Nos bastidores, as investidas da Corte são criticadas por parlamentares.
A insatisfação dos congressistas com o avanço do STF contra regras opacas de distribuição de emendas têm levado a reações dentro do próprio Congresso.
Flávio Dino em audiência sobre emendas
Reprodução/ TV Globo
Defesa das emendas
Os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), participariam da audiência desta sexta justamente para defender as indicações de parlamentares ao Orçamento, mas acabaram desistindo.
Representando Alcolumbre, a advogada-geral do Senado, Gabrielle Pereira, defendeu a obrigatoriedade do pagamento de emendas parlamentares. Segundo ela, o senador não pôde comparecer à audiência por “questões de agenda”.
A advogada-geral da Casa afirmou que a obtenção de recursos federais intermediados por parlamentares eleitos “sempre fez parte da política brasileira”. Para ela, a prática é “precisamente o que os eleitores esperam dos seus representantes”.
Em sua fala, Gabrielle Pereira declarou que há uma “centralização de recursos da União” e defendeu que as indicações de parlamentares ao Orçamento “não podem ser criminalizadas”.
Segundo ela, as emendas atendem às normas de responsabilidade de fiscal.
“Constata-se, portanto, que a alocação de recursos pelos parlamentares atende a fins constitucionais relevantes e claramente definidos. […] As emendas são um importante instrumento do Parlamento”, afirmou.
Para a advogada do Senado, a impositividade das emendas traz “equidade no tratamento de recursos a todos os parlamentares”. Em defesa do mecanismo, ela também avaliou que a medida reserva a participação de “minorias” no Congresso na execução orçamentária.
“A impositividade não assegura a participação do Poder Legislativo. Ela vem para assegurar a participação de partidos e parlamentares da oposição, antes preteridos na alocação de recursos públicos. A impositividade surge como um importante instrumento de preservação das minorias na alocação de recursos públicos”, disse Gabrielle Pereira.
Durante a sua participação, a advogada-geral do Senado também fez críticas ao Judiciário. Ao defender a participação política no processo orçamentário, a advogada-geral do Senado disse que a Justiça tem interferido no Orçamento e se colocado como uma “espécie de Poder Moderador do entrave político”.
“Atualmente, o próprio Poder Judiciário interfere no processo orçamentário — ou no Orçamento — ao excluir parte de suas receitas dos limites do arcabouço fiscal, ao por exemplo suspender eficácia de leis de desoneração e ao autorizar abertura de crédito extraordinário, colocando-se, muitas vezes, como uma espécie de Poder Moderador do entrave político ou mesmo como uma espécie de gestor ou influenciador na execução de políticas públicas”, afirmou.
Em 2024, por meses, o pagamento dessas verbas foi interrompido para atender a decisões do STF, que cobrava por mecanismos para identificar os padrinhos das indicações.
O imbróglio chegou ao fim, em março, com a aprovação unânime dos ministros da Corte de um plano de trabalho que traz a promessa de que, a partir de 2025, não será mais possível executar emendas sem a identificação do parlamentar solicitante.
Dino sobre emendas: não há usurpação de competências — STF cumpre dever constitucional
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