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Câncer de colo do útero: vacina muda vida de jovens e reduz quase 60% dos casos mesmo com vacinação abaixo do ideal

por Redação


Prorrogada a vacinação contra HPV: adolescente de 15 a 19 anos podem tomar vacina do SUS
Famoso por ser o mês em que a medicina celebra e reforça a importância da prevenção do câncer de mama no mundo inteiro, de alguns anos para cá, o Outubro Rosa passou a ser a marca também para a prevenção de outro tipo de câncer que atinge milhões de mulheres no mundo inteiro: o câncer de colo do útero.
Por isso, começamos a semana, às vésperas do início de outubro, publicando um artigo auspicioso de cientistas brasileiros com um estudo que mostra a consolidação do sucesso da vacina contra o HPV na prevenção do câncer de colo de útero no país. Uma eficiência que se comprova em números cada vez mais consistentes, um ano antes de a vacina completar 20 anos de existência. Mas que ainda têm muito a melhorar, especialmente entre as camadas de baixa renda e por conta dos efeitos deletérios dos recentes movimentos antivacina que acometem o Brasil e o mundo.
O câncer de colo do útero é uma doença evitável, mas ainda é o quarto câncer mais comum entre as mulheres, afetando principalmente a população de países de baixa e média renda. Por ser causado quase exclusivamente pelo vírus HPV (papilomavírus humano), a vacina contra o vírus é, também, contra este câncer.
Vacina contra HPV reduziu câncer de colo do útero em quase 60% em mulheres jovens no país
Adobe Stock
A primeira vacina contra o HPV, aprovada em 2006, demonstrou grande sucesso na prevenção do câncer do colo do útero em países de alta renda, reduzindo em até 90% a incidência desse câncer.
Apesar desse sucesso, o acesso à vacina ainda é bastante restrito em países pobres. Em 2023, enquanto 95% dos países ricos já contavam com programas nacionais de vacinação, essa proporção era apenas 45% dos países pobres. Entre eles, o Brasil, que oferece a vacina gratuitamente desde março de 2014.
O programa brasileiro teve sucesso notável na ocasião do seu lançamento, com alta adesão e cobertura próxima de 100% para as meninas. No entanto, campanhas intensas de desinformação minaram a confiança pública, refletindo na queda da cobertura vacinal. Em 2022, apenas 75% das meninas e metade dos meninos foram vacinados contra HPV.
A vacinação contra o HPV no Brasil tem como público prioritário meninas e meninos de 9 a 14 anos, que desde 2024 recebem apenas uma dose, considerada suficiente para garantir proteção. Em caráter excepcional, o Ministério da Saúde ampliou até dezembro de 2025 o acesso para adolescentes de 15 a 19 anos que não se vacinaram na idade indicada.
Além disso, a vacina está disponível pelo SUS para homens e mulheres imunossuprimidos — como pessoas vivendo com HIV, transplantados e pacientes oncológicos — dos 9 aos 45 anos, bem como para vítimas de violência sexual entre 15 e 45 anos e usuários de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) contra o HIV que não completaram o esquema vacinal. A proteção é mais eficaz quando aplicada precocemente, entre 9 e 14 anos, e a imunização é a medida mais segura e efetiva para prevenir a infecção pelo HPV.
O impacto da vacina em países de baixa renda
Até agora, quase todas as evidências vinham de países ricos, em contextos muito diferentes em termos de acesso à saúde, prevalência de infecção pelo HPV e vulnerabilidades sociais. Recentemente, porém, novo estudo feito por um grupo de pesquisadores de que faço parte apresentou as primeiras evidências do impacto da inclusão da vacina contra HPV no Brasil. O estudo avaliou o impacto da vacinação após uma década de implementação no programa nacional de imunização, publicado na revista The Lancet Global Health.
Para medir o efeito da vacinação contra HPV, analisamos os dados nacionais do Sistema Único de Saúde de mulheres com 20 a 24 anos, entre os anos de 2019 e 2023. Comparamos as taxas de câncer do grupo de mulheres que não era elegível para a vacina em 2014 (nascidas entre 1994 e 1998) com o grupo mais jovem, que foi totalmente elegível (nascidas entre 2001 e 2003).
Nós avaliamos 1.318 casos de câncer de colo do útero e 2.132 casos de lesões que antecedem esse câncer (Neoplasia Intraepitelial Cervical grau 3: NIC3). Em comparação com o grupo não vacinado, o grupo elegível para vacinação apresentou uma redução de 58% nos casos de câncer de colo do útero e de 67% nos casos de NIC3.
Para ter certeza de que a responsável pela redução dos casos de câncer de colo do útero era a vacina e de que outros fatores não teriam promovido essa queda, nosso grupo de pesquisadores usou dois controles importantes. Analisamos um grupo de mulheres que por pouco não foi elegível para a vacina (nascidas em 1999) e também comparamos taxas de câncer de mama nos grupos vacinados e não vacinados, já que a vacina contra HPV não afeta o risco de câncer de mama.
Como esperado, as mulheres nascidas em 1999 não apresentaram redução quando comparadas ao grupo nascido entre 1994 e 1998. O grupo vacinado não mostrou redução no número de casos de câncer de mama. Essas análises garantem maior confiança na validade dos resultados que encontramos.
Desafios no caminho para a eliminação
Apesar dos resultados positivos do programa de vacinação contra o HPV, o país enfrenta desafios significativos para combater o movimento antivacina que ganhou força durante o período da pandemia.
O Brasil também tem dificuldades para detectar precocemente o câncer do colo do útero. Os exames para prevenir esse câncer costumam ser feitos apenas quando a mulher procura ativamente o posto de saúde, faltando programas organizados de rastreamento.
Isso leva a uma subnotificação de lesões pré-cancerosas, especialmente entre mulheres jovens e de grupos socioeconômicos desfavorecidos. (A pesquisa nacional em Saúde de 2019 revelou que, embora 81% das mulheres brasileiras relatassem ter feito o rastreamento, as taxas variavam de 94% nos grupos de alta renda para apenas 73% nos de baixa renda. É necessário aprimorar o sistema de saúde, facilitando o acesso ao rastreamento para populações vulneráveis e campanhas de conscientização da população e dos profissionais de saúde.
Os resultados encontrados confirmam que a vacina contra o HPV é uma ferramenta eficaz no combate ao câncer de colo do útero, evidenciando o impacto positivo do programa brasileiro na redução da doença em mulheres jovens. Essa base científica fortalece as políticas de saúde pública ao demonstrar seus benefícios para a saúde individual e coletiva.
A vacinação é um direito da criança e uma medida essencial de proteção à saúde. Vacinar os filhos é mais do que um dever legal e envolve a responsabilidade por outra vida. Porém, essa obrigação precisa vir acompanhada de iniciativas de educação em saúde e de combate à desinformação. É fundamental investir em informação e conscientização para que as famílias compreendam os benefícios da imunização.
A eliminação do câncer de colo do útero depende da união entre ciência, informação de qualidade, políticas públicas firmes para combater a desinformação e compromisso coletivo com a saúde, garantindo acesso universal tanto à vacinação quanto ao rastreamento.
Nossa pesquisa faz parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde Digital (INCT DigiSaúde, apoiado pelo CNPq
Thiago Cerqueira-Silva recebe financiamento da Royal Society
Manoel Barral-Netto recebe financiamento da FAPESB, CNPq e da Rockefeller Foundation.
Viviane Boaventura é bolsista do CNPq

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