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Isso porque o impasse orçamentário entre Democratas e Republicanos vai além do fechamento de museus, parques nacionais e aeroportos americanos.

A instabilidade em Washington também pode interromper ou atrasar a divulgação de indicadores econômicos importantes para os investidores — dados que orientam as decisões do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) sobre a política de juros na maior economia do mundo.

Em teoria, esse cenário pode aumentar a aversão ao risco (o medo de perdas financeiras), provocar oscilações no valor do dólar frente a outras moedas e impactar o investimento estrangeiro em mercados emergentes — como o Brasil.

Empresas que dependem de exportações para os EUA ou do turismo também podem ser afetadas. Ainda assim, há chances de efeitos positivos.

Entenda nesta reportagem de que forma a crise orçamentária nos EUA pode repercutir por aqui:

Efeitos no dólar, no real e um aumento da procura por ouro

Para os analistas consultados pelo g1, o shutdown aumenta a incerteza global, mas há nuances: pode haver valorização do real e do ouro, maior atratividade para investimentos no Brasil e mais volatilidade no mercado de ações, dependendo da duração da paralisação nos EUA e das decisões do Fed.

Para Renato Nobile, da Buena Vista Capital, o efeito do atual shutdown é diferente da última paralisação ocorrida no primeiro mandato de Trump, em 2018. Naquele momento, a expectativa era de valorização do dólar, já que investidores tendem a buscar segurança na moeda americana em períodos de incerteza.

“Porém, o que está acontecendo agora, principalmente no contexto macro dos Estados Unidos e no contexto geopolítico, é que o governo Trump atual já vem desvalorizando o câmbio intencionalmente. Tanto é que o dólar vem se desvalorizando frente a todas as moedas, inclusive a brasileira”, afirma.

Nesse cenário, investidores já têm buscado alternativas de proteção, como o ouro. No início desta quarta-feira, o metal atingiu um novo recorde com o início da paralisação do governo americano, chegando a US$ 3.895,38 (cerca de R$ 20 mil) a onça (medida padrão de peso para metais) — em alta pelo quinto dia consecutivo.

  • 🔎O ouro é considerado mais seguro porque ele não depende de governos, bancos ou empresas para ter valor. Por isso, em momentos de crise, investidores o veem como um porto seguro — ele tende a manter valor mesmo quando outros investimentos se desvalorizam.

“Vários países e bancos centrais estão realmente comprando mais ouro, porque não estão vendo tanta segurança na moeda americana e nos títulos do Tesouro americano. E isso acontece justamente por conta desse contexto: o governo americano desvalorizando a moeda intencionalmente e gerando muita imprevisibilidade para o investidor”, avalia Nobile.

Esse movimento já tem sido visto no Brasil. Nesta quarta-feira, o dólar iniciou a sessão em queda de 0,35%, cotado a R$ 5,3038. Por volta das 13h35, a divisa oscilava entre altas e baixas. No acumulado do ano, a moeda americana já registra recuo de 13,87%. No mesmo horário, o Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, subia 0,44%, aos 145.596 pontos.

Apesar disso, há quem tenha uma visão oposta. Para Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, a crise orçamentária nos Estados Unidos tende a fortalecer o dólar frente ao real e elevar a aversão ao risco global, o que pressiona tanto o câmbio quanto os juros no Brasil.

“Em momentos de incerteza global, investidores procuram ativos considerados mais seguros, o que costuma fortalecer o dólar e fragilizar moedas emergentes como o real. Esse movimento aumenta a volatilidade e pode até pressionar a inflação interna via importados”, afirma.

Ele acrescenta que, na bolsa, setores ligados a commodities e exportação podem ser prejudicados tanto pela queda de preços internacionais quanto pela menor disposição dos investidores a assumir riscos.

Por outro lado, empresas com balanços sólidos, caixa robusto e menor dependência de crédito tendem a se tornar mais defensivas, ou seja, podem ser vistas como uma alternativa mais segura para os investidores.

Gabriel Mollo, analista de investimentos da Daycoval Corretora, não vê o shutdown como uma crise, e acredita que a queda do dólar já era esperada pelo mercado, apesar da paralisação.

Ele alerta, porém, que se o impasse orçamentário nos EUA se prolongar e não houver acordo, pode ocorrer fuga de recursos da bolsa brasileira, valorização do dólar e aumento da volatilidade.

Fed e indicadores econômicos

Com o shutdown nos EUA, alguns dados importantes da economia — como o número oficial de empregos (payroll) — deixam de ser divulgados. Sem essas informações, investidores e o banco central americano ficam “no escuro” e precisam usar outros sinais menos confiáveis para entender a economia. Isso aumenta a incerteza sobre os rumos do mercado.

“O atraso na divulgação de indicadores econômicos também aumenta o prêmio de risco [o ‘bônus’ que o investidor exige para se expor a mais incertezas] e pode pressionar o mercado acionário, com queda nos preços das ações ou maior instabilidade”, afirma o analista da Daycoval Corretora.

Por outro lado, investidores seguem atentos a fatores externos que podem trazer alívio. A possível reunião entre Trump e o presidente Lula, por exemplo, se bem-sucedida, pode reduzir a pressão sobre o dólar e estimular a valorização da bolsa brasileira, que nos últimos dias tem renovado recordes.

“Apesar de [o shutdown] ser ruim, o cenário tem um lado positivo. Com o impasse nos EUA, outros mercados ficam mais interessantes, e o Brasil se destaca para quem quer assumir risco, porque nossos concorrentes [outras nações emergentes] estão mais fracos e temos commodities essenciais para outros países”, diz Milene Dellatore, diretora da MIDE Mesa Proprietária.

Segundo ela, o shutdown nos EUA é um risco que acontece quase todos os anos e, por isso, o mercado já está ‘preparado’. No fim, a executiva acredita que o Congresso americano chegará a um acordo de qualquer maneira, seja ampliando o teto da dívida ou aumentando a emissão de dólares.

Além disso, apesar da forte influência do cenário internacional sobre outros países, inclusive para o mercado brasileiro, o Banco Central do Brasil deve focar mais na questão fiscal e na meta de inflação do país.

Para Dellatore, se a paralisação durar mais do que o previsto e o Fed ficar sem os dados econômicos necessários, o banco central americano pode optar por manter os juros, o que seria positivo para o Brasil. No entanto, se decidir aumentá-los, pode haver saída de recursos da bolsa brasileira para lá.

Diante de crises globais — como a guerra da Rússia, as negociações entre a China e os Estados Unidos e as tensões na Índia e no Paquistão —, Milene reitera: “O Brasil ainda é um país com instituições fortes e resilientes, e pode ser uma alternativa diante de concorrentes mais fracos”.

Painel na sede da B3, em São Paulo, Ibovespa, bolsa, Bovespa — Foto: Nacho Doce/Reuters

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