‘Sou cardiologista e garanto: o maior adversário de um coração saudável não é o churrasco’

‘Sou cardiologista e garanto: o maior adversário de um coração saudável não é o churrasco’


Luiz Bortolotto, cardiologista e diretor da Unidade Clínica de Hipertensão do Instituto do Coração (InCor), ligada à Faculdade de Medicina da USP, analisa fatores de risco para o coração em relato ao g1. Shoulder feita para um churrasco; receita é do chef Daniel Lee
Fábio Tito/g1
O cardiologista Luiz Bortolotto, diretor da Unidade Clínica de Hipertensão do Instituto do Coração (InCor), ligada à Faculdade de Medicina da USP, analisa um fator comportamental que é fator de risco para doenças do coração. Confira abaixo o relato do especialista feito à repórter Talyta Vespa:
“Um terço da população brasileira vive com hipertensão, uma doença que, embora tenha um componente genético importante, pode ser engatilhada por maus hábitos alimentares. Como cardiologista e diretor da Unidade Clínica de Hipertensão do Instituto do Coração (InCor), atrelado à Faculdade de Medicina da USP, já vi muita coisa nesses 40 anos de profissão.
Já vi casos de jovens adultos com o músculo do coração tão grosso por causa da hipertensão que parecia irreversível. Revertemos. Já vi casos de pessoas com hipertensão que, ao tratarem a obesidade, deixaram de ter a doença. A condição clínica é variável. Mas, em todos os casos, existia um fator comum de piora — e não era o churrasco, mas, sim, o excesso de sal.
Não sou só eu quem falo isso, há várias evidências científicas de que o consumo excessivo de cloreto de sódio está relacionado à hipertensão. O mais importante estudo sobre isso foi feito na década de 1990, e relacionava o baixo consumo de sódio à manutenção da pressão, independentemente da idade, enquanto o consumo excessivo provocava um grande aumento da pressão pelo envelhecimento.
A partir dele, surgiram vários trabalhos que, ao analisar doenças cardiovasculares, perceberam relação direta com o consumo maior de sal. O excesso é inimigo de quem quer viver bem. O consumo excessivo de cloreto de sódio também aumenta gravemente o risco de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e doenças renais.
Precisamos, primeiro, diferenciar sódio e sal. O sal de cozinha é um composto chamado cloreto de sódio (NaCl), que mistura os elementos sódio e cloro. Além desse sal, que arbitrariamente adicionamos aos alimentos, há o sódio já presente nesses alimentos. Essa conta é importante.
A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é consumir 5 g de cloreto de sódio por dia, o equivalente a três colheres de café rasas de sal. Esse valor corresponde ao sal adicionado, utilizado para temperar alimentos –não contabiliza a quantidade de sódio presente nos alimentos.
Sal de cozinha é um composto chamado cloreto de sódio (NaCl)
Freepik
A média do Brasil, segundo dados recentes, é de 12 a 13 gramas de cloreto de sódio por dia. É bem acima do recomendado. Em Portugal, os índices já chegaram a superar os 18 g por dia, e foi feita uma campanha intensa para reduzir a quantidade de sódio nos alimentos. Com esse processo, houve uma queda importante no consumo de sódio –de 18g para 11g. Diminuíram, consequentemente, os índices de hipertensão e a ocorrência de AVC.
Para não extrapolar, é imprescindível olhar os rótulos de tudo o que for consumir e se atentar a quantidade de sódio. O máximo que nós, cardiologistas, recomendamos é consumir alimentos em cujos rótulos a quantidade de sódio seja menor que 15% do valor diário.
Se o alimento ou bebida apresentar uma porcentagem de sódio acima de 15%, ele não deve ser consumido.
Hoje há uma lei que obriga que um anúncio em letras garrafais na embalagem caso o alimento tenha alto teor de sódio. É uma forma, também, de entender que o consumo desse alimento não é recomendado.
Hipertensão não é só um número elevado
Pode parecer preciosismo, mas é realidade. Hipertensão não é só um número elevado, mas uma doença onde as artérias criam maior resistência ao fluxo de sangue que é gerado pelo coração a cada batimento.
Os valores altos da pressão arterial são como uma fotografia da doença. Ingerir grandes quantidades de sal leva ao aumento do volume de líquido na circulação sanguínea, o que consequentemente eleva a pressão arterial. Além disso, o excesso de sódio pode alterar diretamente a parede dos vasos sanguíneos, contribuindo para o aumento de sua contração e rigidez, agravando a condição.
Quando a pressão arterial fica alta por muito tempo, ela pode causar outros problemas de saúde: sobrecarrega o trabalho dos rins, levando-os à exaustão e, eventualmente, à falha. A pressão alta, ainda, torna as paredes dos vasos sanguíneos mais rígidas e sensíveis. Essa mudança facilita o acúmulo de placas de gordura, o que aumenta o risco de condições graves como o infarto e o AVC. A pressão alta também sobrecarrega o coração, podendo gerar dilatação e insuficiência cardíaca.
Mesmo com medicação eficaz, que controla os índices, a doença não tem cura. Os remédios para hipertensão atuam nos mecanismos que controlam a pressão diariamente. Contudo, as alterações que já ocorreram nos vasos sanguíneos, como o aumento da rigidez das artérias pequenas, não são corrigidas pelo tratamento. Por isso, a prevenção e o controle contínuo são cruciais para a saúde vascular.
Sal de menos ou nenhum sal?
Na vida e na medicina, o equilíbrio é a chave para a saúde. Há quem pense que o sal é inimigo, mas abrir mão dele também pode ser perigoso: o zero sal tem relação direta com desnutrição e outras doenças.
A deficiência de sódio no sangue, conhecida como hiponatremia, pode ocorrer quando os níveis do mineral ficam muito baixos em relação ao volume de água no corpo. Isso acontece não necessariamente pela falta de ingestão, mas por um desequilíbrio hídrico causado por outras condições ou medicamentos. No entanto, uma restrição drástica e não supervisionada de sal na dieta pode contribuir para esse quadro.
O ideal é consumir, por dia, 2 gramas de sódio –ou cinco gramas de cloreto de sódio. Lembrando que essa regra não vale para quem tem problemas renais crônicos.
Para amenizar o consumo de sódio, o sal light é uma ótima opção. Ele tem zero ou pouco sódio, e o elemento é substituído pelo potássio. O aumento do consumo de potássio no lugar do sódio tem impacto mais positivo que a própria redução do sódio. De novo, é importante frisar que pessoas com problemas renais não devem consumir potássio em excesso também.
Houve um experimento feito no Peru onde se substituiu o sódio pelo potássio nos alimentos, e o resultado foi fantástico. Embora o sal light seja mais amargo, é fácil se acostumar. Junto dele, sempre sugerimos usar outros tipos de temperos, como ervas e azeite. Nossos hábitos alimentares são mutáveis. É uma questão de priorizar.
Há problemas de saúde que aparecem sem que consigamos evitar. Mas muitos deles podem ser evitados.
(* Luiz Bortolotto, cardiologista e diretor da Unidade Clínica de Hipertensão do InCor, em depoimento à repórter Talyta Vespa)
Sal light, gersal e sal de ervas: opções para reduzir o consumo de sal

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