Polícia Federal concluiu inquérito e viu responsabilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro no esquema de espionagem ilegal. Objetivo, segundo a PF, era monitorar desafetos do ex-presidente. PF entrega ao STF relatório do inquérito sobre a chamada Abin paralela
A Polícia Federal (PF) concluiu as investigações sobre um esquema de espionagem ilegal montado na Agência Brasileira de Informações (Abin) durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Segundo os investigadores, policiais, servidores e funcionários da Abin formaram uma organização criminosa para monitorar pessoas e autoridades públicas, invadindo celulares e computadores, durante a gestão do ex-presidente Bolsonaro.
Para a PF, o ex-presidente Bolsonaro sabia do esquema de espionagem e se beneficiava dele.
O indiciamento significa que o delegado responsável pelo caso considerou que há indícios de crimes.
A lista entregue ao Supremo Tribunal Federal inclui 36 nomes — entre eles, o do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, o do ex-diretor da Abin e atual deputado federal Alexandre Ramagem — ambos do PL — e o do atual diretor da Abin, Luiz Fernando Corrêa.
No caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, a Polícia Federal considerou que há indícios do crime de organização criminosa e indicou a responsabilidade dele no relatório. Segundo a PF, ele tinha conhecimento do esquema, era o principal beneficiário e há indícios de ele que fazia parte do núcleo político do grupo que atuou nas ações clandestinas e da instrumentalização da Abin.
O ex-presidente não foi formalmente indiciado nessa investigação porque a corporação entendeu que, como Bolsonaro já tinha sido indiciado pelo mesmo crime de organização criminosa na ação penal da tentativa de golpe — que também trata do uso ilegal da Abin –, não poderia ser indiciado novamente.
Alexandre Ramagem, escolhido novo diretor-geral da PF, cumprimenta Bolsonaro em foto de julho de 2019
Adriano Machado/Reuters
Os investigadores apontam que foram monitoradas autoridades do Judiciário, Legislativo e Executivo, além de jornalistas.
Entre os espionados, estão o ministro Alexandre de Moraes, do STF, o então presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o senador Renan Calheiros (MDB-AL) (veja abaixo a lista completa).
O que a PF investigou?
Infográfico – O que é a Abin paralela, segundo a PF.
Arte/g1
Iniciada em 2023, a investigação apurou a atuação de policiais, servidores e funcionários da Abin que teriam formado uma organização criminosa para monitorar pessoas e autoridades públicas, invadindo celulares e computadores sem autorização judicial.
De acordo com os investigadores, a ferramenta FirstMile foi usada para acompanhar os passos de pessoas que eram consideradas desafetas de Bolsonaro.
A investigação ficou conhecida após a PF deflagrar, em 2024, a operação Última Milha, batizada em referência à ferramenta, e cumprir uma série de mandados de busca e apreensão pelo país.
Os mandados foram autorizados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Isso, porque a Operação Última Milha começou a partir das investigações do inquérito das fake news.
Veja em 5 pontos o que a operação da PF revelou sobre a Abin paralela
PF faz 5ª fase da operação que investiga a chamada Abin Paralela
Envolvimento de familiares de Bolsonaro
Segundo os investigadores, houve uma “instrumentalização” da Abin para monitorar pessoas ligadas a investigações envolvendo familiares do ex-presidente Jair Bolsonaro.
É o caso dos auditores da Receita que fizeram o relatório que deu origem à investigação do esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro.
No relatório, os investigadores destacam que Marcelo Bormevet e Giancarlo Rodrigues, que estavam a serviço da Abin em ações clandestinas, tentaram “achar podres” de auditores da Receita Federal responsáveis pela elaboração de relatórios de inteligência financeira sobre o senador, o filho 01 do ex-presidente.
Outro exemplo, segundo a PF, é a criação de provas a favor do filho do ex-presidente Jair Renan Bolsonaro – o filho 04, que em 2021 era investigado por tráfico de influência.
Para isso, o “gabinete paralelo”, de acordo com as investigações, monitorou Allan Lucena, ex-sócio de Jair Renan, e Luís Felipe Belmonte, empresário envolvido no caso.
Quem teria sido monitorado?
Conforme as investigações da Polícia Federal foram monitoradas as seguintes autoridades, servidores e jornalistas no esquema:
➡️Poder Judiciário: ministros do STF Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux
➡️Poder Legislativo: o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o deputado Kim Kataguiri (União-SP) e os ex-deputados Rodrigo Maia, que foi presidente da Câmara, Joice Hasselmann e Jean Wyllys (PSOL). E os senadores: Alessandro Vieira (MDB-SE), Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), que integravam a CPI da Covid no Senado.
➡️Poder Executivo: João Doria, ex-governador de São Paulo; os servidores do Ibama Hugo Ferreira Netto Loss e Roberto Cabral Borges; os auditores da Receita Federal do Brasil Christiano José Paes Leme Botelho, Cleber Homen da Silva e José Pereira de Barros Neto.
➡️Jornalistas: Monica Bergamo, Vera Magalhães, Luiza Alves Bandeira e Pedro Cesar Batista.
O que é a Abin?
A Abin é o órgão responsável por produzir conteúdos que são repassados à Presidência da República para auxiliar em tomada de decisões. Na prática, a agência produz relatórios com conhecimentos estratégicos sobre ameaças e potencialidades para o país, tanto internas quanto externas.
A agência tem atribuições como:
planejar e executar ações, incluindo as sigilosas, para obtenção de dados destinados a assessorar o Presidente da República;
planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis que sejam relativos à segurança do Estado e da sociedade;
avaliar ameaças, “internas e externas”, à ordem constitucional;
realizar estudos e pesquisas para o exercício e desenvolvimento de atividades de inteligência.
Na prática, diferentemente de sistemas de inteligência de outros países que separam as ações de inteligência interna e externas, a Abin é responsável por essas duas frentes.
Ações de contrainteligência também são de responsabilidade da agência, como defender o Estado de espionagem, sabotagem e vazamento de informações.
Até o início de 2023, a Abin estava subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão com status de ministério que, tradicionalmente, é comandado por militares e tem como função principal cuidar da segurança em assuntos envolvendo a Presidência da República.
Pouco menos de dois meses depois dos ataques do 8 de janeiro, quando golpistas invadiram as sedes dos três Poderes em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) transferiu a Abin para a Casa Civil.
(CORREÇÃO: o g1 errou ao informar que o ex-presidente Jair Bolsonaro está na lista de indiciados pela Polícia Federal no inquérito que apura supostas irregularidades na Agência Brasileira de Inteligência, a Abin. A Polícia Federal considerou que Bolsonaro tinha conhecimento e era o principal beneficiário do suposto esquema montado para monitorar ilegalmente pessoas e autoridades públicas. Para a PF, há indícios de que Bolsonaro fazia parte do núcleo político do grupo que atuou nas ações clandestinas e da instrumentalização da Abin, mas o ex-presidente não foi formalmente indiciado nessa investigação. A corporação entendeu que, como Bolsonaro já tinha sido indiciado pelo mesmo crime de organização criminosa na ação penal da tentativa de golpe — que também trata do uso ilegal da Abin –, não poderia ser indiciado novamente. Ao todo, a PF indiciou 36 pessoas no inquérito da Abin paralela. Entre elas, o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro. O ex-diretor da Abin e atual deputado federal, Alexandre Ramagem – ambos do PL – e o atual diretor da Abin, Luiz Fernando Corrêa. As reportagens sobre esse tema foram corrigidas no fim da noite de terça, 17.)
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