Relatos à ouvidoria da Defensoria do RJ citam violações em operação

Relatos à ouvidoria da Defensoria do RJ citam violações em operação

Relatos colhidos pela Ouvidoria Geral da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, após a realização da Operação Contenção, na última terça-feira (28), nos complexos do Alemão e Penha, na zona norte do Rio, denunciam violações de direitos humanos. Entre os relatos, familiares dizem que pessoas inocentes foram mortas ou presas, e mulheres relatam ter sido assediadas por policiais. 

A Ouvidoria Geral é um órgão externo à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. 

“Eles entraram aqui em casa e ficaram procurando algo ou alguém e fizeram várias perguntas, querendo saber eu morava sozinha, e eu disse que morava com minha mãe e os meus dois filhos”.

“Aí, ficaram me secando e dizendo que uma mulher bonita como eu merecia morar em um lugar melhor. Quando o com a toca ninja saiu, apertou o meu peito”, relata uma mulher de 23 anos que não foi identificada.

Outra mulher ouvida pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro disse em relato: “Eu estava dormindo quando eles entraram, e eu durmo só de blusa, né? Acordei assustada com as vozes deles. Aí, foi quando eu vi que eles já estavam dentro da minha casa. Eu sou manicure e fiquei trabalhando até tarde. Eles levantaram o lençol com a ponta do fuzil e ficaram fazendo várias perguntas e levando com a ponta do fuzil minha blusa, e eu pedindo ‘por favor, moço não tenho envolvimento com nada não’, e apontando minha maleta de unha. Aí, um entrou e tirou ele do meu quarto”.

Os relatos estão no relatório Atuação da Ouvidoria da Defensoria Pública na Operação Policial realizada no Complexo do Alemão e no Complexo da Penha, divulgado neste domingo (2). O relatório se refere a relatos e acontecimentos que foram acompanhados pelos ouvidores nos dias 29, 30, 31 de outubro e 1° de novembro.

Moradores impactados

Segundo os ouvidores responsáveis pelo relatório, a operação impactou na realidade dos moradores da comunidade, com o fechamento de escolas, clínicas da família e equipamentos de assistência social.

“Os equipamentos públicos fechados geraram prejuízo à vida de inúmeras crianças e adolescentes. Fora da escola, as crianças e adolescentes ficaram sem aula e sem a garantia da alimentação diária, alcançando a insegurança alimentar. Destaca-se também os idosos e usuários do Sistema Único de Saúde, que não conseguiram realizar consultas marcadas ou ficaram sem acesso a medicações controladas. Outros impactos foram observados pela Ouvidoria, como muito lixo pelas ruas, por conta de não estar tendo coleta de lixo e muitas casas sem energia elétrica”, diz o texto.

Uma pessoa não identificada relatou: “Entraram e invadiram a casa dos moradores todos, né? Obrigando eles a abrir as portas na marra. Não respeitaram a criança, não respeitaram pessoas de idade. Acha que todo mundo que mora na favela é traficante. Só que o que eu digo [é que] aqui tem professor, tem jogador de futebol, muita gente advogada, muita gente que tá aqui e que saiu daqui sem se meter com droga, com arma, com vida errada.”

Os relatos colhidos relatam violações de direitos humanos como: “roubos de documentos de moradores, importunação sexual às mulheres do território, uso de casas para prática de tróia [se esconder à espera de suspeitos], denúncias de torturas, execuções, ausência de perícias, uso de bombas direcionadas às casas, omissão de socorro, criminalização das lideranças e das famílias que fizeram a remoção dos corpos”, diz o relatório.

Os ouvidores estiveram nos complexos do Alemão e da Penha e no Instituto Médico Legal (IML). Além disso, participaram de reunião na Central Única de Favelas (Cufa) da Penha. Eles também acompanharam a retirada dos corpos da região de mata chamada Vacaria.  

“Foi possível identificar que alguns corpos estavam com as mãos amarradas e muitos com tiros na cabeça e marcas de facadas”, dizem os ouvidores.

Entre os relatos, estão ainda relatos sobre pessoas inocentes que teriam sido mortas ou presas.

“Meu marido é pedreiro e foi morto nessa operação. Achei o corpo dele ontem e estou precisando de apoio para enterrar”, diz uma pessoa sobre o cônjuge, que foi alvo da operação.

Outra pessoa diz que o irmão está desaparecido. “Meu irmão é um adolescente de 17 anos e não teve passagem. Estamos procurando ele. A gente não é do Rio, moça. Viemos de Cabo Frio. Não achamos ele no IML e vamos ter dificuldade de encontrar, pois ele nunca tirou RG. Por favor, ajude a gente”.

Em um terceiro relato, uma pessoa diz que o marido foi baleado, se encontra hospitalizado, e teve uma arma plantada em seu carro.

“Eles levaram o carro para a Cidade da Polícia [complexo de delegacias da Polícia Civil do Rio de Janeiro] e lá, por milagre, encontraram uma arma. Que coisa, não? Na revista, na nossa frente, não encontraram nada e, por milagre, acharam uma arma lá na Cidade da Polícia, e os pneus trocados. O carro foi rebocado por conta dos pneus estourados, rebocado. Meu marido está em estado grave no hospital e, quando acordou algemado, ficou em pânico e precisou ser sedado para se acalmar. O meu marido é trabalhador e nem leito tem. Está na sala amarela e precisa ir para uma unidade de trauma. A gente nem na favela mora e, mesmo assim, fomos vítimas dessa violência toda. Por favor, me ajude”

Medidas sugeridas

No relatório, a ouvidoria faz uma série de sugestões de medidas para evitar a ampliação de mortes de crianças, jovens e adultos e as violações de direitos nas favelas. Entre elas:

  • Implementação de mecanismos eficientes de controle das polícias, como o uso efetivo das câmeras em fardas e viaturas, acesso das famílias ao inteiro teor das investigações de letalidade policial e aumento da efetividade do controle externo da atividade policial, inclusive com atendimento eficiente de denúncias em tempo real pelo Plantão do Ministério Público determinado pelo STF [Supremo Tribunal Federal]  na ADPF [Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental] 635;   
  • Independência das perícias em casos de violência de Estado, para garantia de investigações eficientes;
  • Investigação da responsabilidade da cadeia de comando operacional e política pelas altas taxas de letalidade policial;
  • Criação e fomento a serviços especializados de atendimento psicossocial às famílias vítimas da violência de Estado;
  • Criação de um fluxo rápido de reparação às famílias afetadas pela violência de Estado;
  • Investimento em políticas públicas de garantia de direitos da população, em especial educação, saúde, assistência social, trabalho e renda, cultura e lazer, moradia e transportes, inclusive com foco na juventude;

Polícias

A Agência Brasil entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública, a Secretaria de Estado de Polícia Militar e a Secretaria de Polícia Civil do Rio de Janeiro.  

Em nota, a Secretaria de Estado de Polícia Militar diz: “No que tange à Secretaria de Estado de Polícia Militar, a corporação colabora integralmente com todos os procedimentos apuratórios e investigativos sobre as ações”.

Até a publicação da matéria, os demais órgãos acionados não haviam se posicionado. 

*Título alterado às 20h35 para correção de informação

Postagens relacionadas

Senador Fabiano Contarato vai presidir CPI do crime organizado

TSE julga hoje processo que pede cassação do governador do Rio

Embratur e Netflix lançam guia turístico do Brasil na WTM Londres