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‘Ouvi que teria de reaprender a respirar’: o caso raro do jovem que ficou paraplégico após cirurgia cardíaca e voltou a andar

por Redação
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O caso raro do jovem que ficou paraplégico após cirurgia cardíaca e voltou a andar
Quando abriu os olhos, duas semanas depois da cirurgia, Pedro Macário não sabia onde estava. Achava que tinha dormido por algumas horas — não que havia passado 14 dias em coma.
Pedia ao pai que o ajudasse a levantar para ir ao banheiro, mas ele desconversava. Confuso, Pedro logo esquecia do pedido. Ele só percebeu que tinha alguma coisa errada quando não conseguiu reagir ao comando do médico: “Pedrão, mexa as pernas”. Não mexiam.
Pedro Macário fazia da bicicleta seu principal meio de transporte
Arquivo Pessoal
Os braços também estavam fracos, mal sustentavam o corpo. Naquele momento, Pedro, então com 29 anos, descobriu que havia sobrevivido a uma das emergências cardiovasculares mais graves da medicina: uma dissecção de aorta, ruptura parcial da principal artéria do corpo.
A cirurgia o salvara, mas deixara uma sequela devastadora — uma lesão medular isquêmica, conhecida como paraplegia de Adamkiewicz, complicação raríssima e quase sempre irreversível.
“Foi um choque. Os médicos diziam que eu teria de reaprender tudo: respirar, engolir, segurar um copo. E que as pernas não voltariam mais”, conta ao g1.
A condição cardíaca de Pedro
A aorta é a maior artéria do corpo humano. Sai do coração e distribui sangue rico em oxigênio para todo o organismo. Na dissecção, ocorre uma ruptura na camada interna da parede da aorta, fazendo com que o sangue penetre entre as camadas e abra um “falso canal” dentro do vaso.
“O problema é que esse descolamento pode interromper o fluxo de sangue para órgãos vitais — como o cérebro, os rins e a medula espinhal — e, se não for tratado imediatamente, leva à morte em poucas horas”, explica o cirurgião cardiovascular da Beneficência Portuguesa de São Paulo, Ricardo Katayose.
Segundo ele, a cirurgia para reparar uma dissecção é uma das mais complexas da medicina. É preciso substituir o trecho rompido da aorta por uma prótese, controlando rigorosamente a circulação e a pressão arterial. “Em alguns momentos, o paciente precisa até ser colocado em circulação extracorpórea e ter a temperatura corporal reduzida para proteger os órgãos”, conta.
Foi Katayose quem operou Pedro. O jovem ficou em coma por duas semanas e passou por três cirurgias consecutivas. A primeira, para reconstruir a aorta; a segunda, porque o braço esquerdo havia perdido irrigação e precisou de enxerto; e uma terceira, para drenar líquido acumulado ao redor do coração. Foram 50 dias de UTI.
Pedro, durante o coma, após dissecção de aorta
Arquivo Pessoal
Sangue deixou de chegar à medula
A medula espinhal, responsável por transmitir os comandos de movimento, depende de uma rede delicada de vasos. Um deles, a artéria de Adamkiewicz, é o principal responsável por irrigar a região anterior da medula — justamente a que controla as pernas.
“Quando esse vaso é comprometido — seja pela própria dissecção, seja pelo reparo cirúrgico —, pode ocorrer o infarto da medula”, explica o neurocirurgião Hugo Sterman Neto, da Rede D’Or, que também acompanhou o caso de Pedro. “É uma complicação rara e devastadora, e o nome técnico para esse quadro é paraplegia de Adamkiewicz.”
Logo após constatar a ausência de movimentos, Sterman adotou uma conduta rara nesses casos: realizou uma punção liquórica, retirando parte do líquido que envolve a medula espinhal para tentar reduzir a pressão dentro do canal vertebral.
“Quando ocorre um infarto medular, a medula incha dentro de um espaço rígido. Isso piora a circulação local. A retirada do líquor alivia essa pressão e pode preservar áreas ainda viáveis”, explica.
A manobra, porém, não trouxe resposta neurológica imediata. E, naquele ponto, a reversão era considerada praticamente impossível. Lesões isquêmicas da medula, como a paraplegia de Adamkiewicz, raramente apresentam recuperação — e, quando ocorre, costuma ser parcial e lenta.
Sem retorno, o cirurgião cardiovascular Ricardo Katayose decidiu tentar uma estratégia adicional para restabelecer o fluxo de sangue à região torácica: reconstruiu a artéria subclávia esquerda — um dos principais vasos que saem do peito e levam sangue para o braço e para parte da medula espinhal —, conectando-a a uma artéria do pescoço.
O objetivo era restabelecer o fluxo e aumentar a chance de oxigenação das áreas que ainda não haviam sofrido necrose completa.
“O prognóstico era extremamente reservado. Em situações como essa, qualquer recuperação é algo que beira o inexplicável”, afirma Katayose.
Foi após essa cirurgia que o primeiro sinal apareceu — um leve tremor na perna, quase imperceptível, mas suficiente para mudar o rumo da história.
Pedro Macário, estudante de psicologia
Arquivo Pessoal
Uma mínima contração mudou tudo
“Como em todos os dias, o médico pediu para eu tentar mexer a perna. Fiz força e, de repente, ela tremeu”, relembra Pedro. “Meu pai começou a chorar, o doutor também. Foi o primeiro sinal de que algo estava voltando.”
A partir dali, veio uma longa jornada de reabilitação. Pedro passou por fisioterapia intensiva, sessões de eletroestimulação e exercícios de sustentação de tronco. Numa semana, um dedão contraía; na outra, o pé todo balançava.
“No começo, eu não conseguia nem ficar sentado. Caía para frente, para o lado. Depois consegui sustentar o corpo, e cada semana era um salto.”
Pedro Macário após a cirurgia
Arquivo Pessoal
A ciência e o milagre
Segundo o neurocirurgião Hugo Sterman, parte da explicação da recuperação de Pedro pode estar na chamada zona de penumbra medular — áreas que ficam temporariamente sem irrigação, mas ainda não sofreram morte celular.
“Se conseguimos restaurar o fluxo a tempo, essas células voltam a funcionar. É o que parece ter acontecido com Pedro”, diz.
Hoje, um ano após o acidente, Pedro voltou a andar — e até retomou um antigo hábito: pedalar, atividade que sempre fez parte da rotina dele.
“Não é como antes, mas consigo pedalar e caminhar sem ajuda. Só precisei aprender a desacelerar”, conta.
Ainda faz fisioterapia motora e de fortalecimento, com sessões regulares de eletroestimulação. Os movimentos são firmes, mas mais lentos. A bexiga segue sem funcionar completamente, e o controle urinário depende de acompanhamento urológico.
A recuperação, considerada improvável, segue em curso. “Ele continua evoluindo. Há ganhos funcionais mesmo tanto tempo depois, o que reforça o caráter excepcional do caso”, avalia Sterman.
Laís Souza e as novas sensibilidades

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