O que são terras raras e como a China as usa como arma estratégica

O que são terras raras e como a China as usa como arma estratégica

Responsável por mais de 60% da produção global e quase 90% do refino desses elementos, a China reforçou seu controle em abril ao limitar as exportações de sete tipos de terras raras e de ímãs permanentes.

As restrições, em parte uma resposta às elevadas tarifas impostas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, expuseram a vulnerabilidade americana, já que o país possui capacidade limitada de refino. A interrupção nas cadeias de fornecimento afetou diretamente fábricas americanas.

A montadora Ford, por exemplo, anunciou a redução da produção de SUVs em Chicago. Já as fornecedoras de autopeças Aptiv e BorgWarner informaram que estão desenvolvendo motores com menor ou nenhuma dependência de terras raras, como forma de contornar as restrições.

O consultor automotivo Michael Dunne afirmou ao jornal “The New York Times” que as medidas da China podem até paralisar completamente a produção de veículos nos EUA.

China quer manter sua posição de vantagem

Uma pesquisa da Câmara de Comércio dos EUA na China revelou que 75% das empresas americanas estimam que seus estoques de terras raras se esgotarão em até três meses.

Empresários pressionaram Washington a negociar o fim das restrições. Em Londres, a China concordou em acelerar a aprovação de licenças de exportação, embora ainda haja um grande acúmulo de pedidos pendentes.

Não está claro, no entanto, se o acordo inclui o fornecimento para o setor militar dos EUA, que depende desses minerais para a produção de caças e sistemas de mísseis.

O uso estratégico das terras raras pela China como ferramenta geopolítica não é novidade. Em 2010, o país suspendeu as exportações para o Japão durante uma disputa territorial, provocando alta nos preços e ameaçando cadeias de suprimentos globais.

Gabriel Wildau, consultor da Teneo, alertou que o regime de licenciamento de exportações da China é permanente — não apenas uma resposta às tarifas de Trump — e que os cortes no fornecimento continuarão sendo uma ameaça constante.

Decisão da China também afeta a UE

Os EUA não são os únicos a enfrentar escassez de terras raras. A União Europeia depende da China para 98% de seus ímãs de terras raras, essenciais para a fabricação de componentes automotivos, aeronaves militares e equipamentos médicos de imagem.

A Associação Europeia de Fornecedores de Autopeças (Clepa) alertou, no início deste mês, que o setor enfrenta interrupções significativas devido às restrições impostas por Pequim, incluindo a paralisação de linhas de produção e fábricas em diversos países europeus. A entidade também prevê novos impactos nas próximas semanas.

O analista Alberto Prina Cerai, do Instituto de Estudos Políticos Internacionais (ISPI), na Itália, avalia que a União Europeia precisa “ganhar tempo” para reagir.

“Em termos de escala, não temos como alcançar a China”, alerta Prina Cerai. “Eles têm uma cadeia de suprimentos integrada, da mina ao ímã, que é muito difícil de replicar.” Renunciar completamente à China é, portanto, impensável no curto prazo, e a UE deveria “administrar essa interdependência com uma estratégia industrial coerente”, opina.

Como parte da sua Lei de Matérias-Primas Críticas, a Comissão Europeia estabeleceu a meta de produzir 7 mil toneladas de ímãs dentro do bloco até 2030.

Diversos projetos de mineração, refino e reciclagem estão em andamento. Uma grande planta de processamento de terras raras deve ser inaugurada na Estônia no final de 2025, e outra instalação de grande porte está prevista para entrar em operação no sudoeste da França em 2026.

Após se reunir com seu colega de pasta chinês no início deste mês, o comissário de Comércio da UE, Maros Sefcovic, classificou as restrições chinesas como “extremamente disruptivas” para os setores automotivo e industrial europeus.

Embora a China tenha proposto um canal para acelerar a aprovação de licenças de exportação para empresas da UE, especialistas alertam que o processo pode levar até 45 dias — tempo suficiente para causar gargalos críticos na produção.

Diante da dificuldade de contestar o domínio chinês no curto prazo, os líderes do G7, reunidos no Canadá em 15 de junho, definiram uma estratégia conjunta para mitigar riscos de escassez.

O grupo prometeu responder coletivamente a perturbações deliberadas no mercado e adotar medidas para diversificar a produção e o fornecimento global de terras raras.

Para Prina Cerai, do ISPI, o acesso a esses minerais será cada vez mais estratégico para o Ocidente, à medida que tecnologias avançadas se tornem mais difundidas e passem a ocupar um papel central na economia global.

Terras raras: os minerais cobiçados por Trump e tema da reunião com Zelensky

Quais seriam as outras opções?

Oito países concentram 98% das reservas conhecidas de terras raras no mundo.

A China lidera com 44 milhões de toneladas, seguida por Brasil, Índia e Austrália, que juntos somam pouco mais de 31 milhões de toneladas, segundo o Serviço Geológico dos EUA. Recentemente, cerca de 20 milhões de toneladas foram descobertas no Cazaquistão.

Alguns países, como EUA e Austrália, estão mais avançados na expansão de suas capacidades de produção e refino. Outros, como Brasil e Índia, ainda estão em estágios iniciais ou intermediários, com projetos que exigem de cinco a 10 anos, além de grandes investimentos.

  • 🔎 O Brasil, com 21 milhões de toneladas, possui a segunda maior reserva mundial, mas sua produção ainda é incipiente, representando apenas 1% da produção global.

Especialistas apontam que o país tem potencial para ampliar essa participação, com universidades e centros de pesquisa capacitados para formar profissionais e desenvolver tecnologias ao longo da cadeia produtiva.

A Índia, apesar de deter a quinta maior reserva mundial (6,9 milhões de toneladas), também responde por menos de 1% da produção global. A principal limitação é a falta de capacidade de refino para preparar os minerais para aplicações de alta tecnologia.

O país, assim como outros, depende das exportações chinesas e foi diretamente afetado pelas restrições. Segundo a agência Reuters, o governo indiano ordenou que a mineradora estatal IREL interrompesse as exportações para priorizar o abastecimento interno.

Em 2023, a empresa destinou um terço das 2.900 toneladas extraídas ao Japão, por meio de uma parceria com uma empresa japonesa de processamento.

Outra possível fonte futura é a Groenlândia, apesar das condições climáticas adversas. EUA e União Europeia já assinaram acordos de cooperação com o território. Em 2023, o Projeto Tanbreez, no sul da ilha, foi classificado como o principal projeto de terras raras, com estimativa de 28,2 milhões de toneladas, segundo um serviço de dados da indústria de mineração.

A Reuters informou que o Exim Bank, agência de crédito à exportação dos EUA, está prestes a aprovar um empréstimo de até US$ 120 milhões para a empresa responsável pelo Tanbreez. Esse seria o primeiro investimento estrangeiro do governo Trump em um projeto de mineração.

O ex-presidente chegou a sugerir a compra da Groenlândia por razões estratégicas, proposta rejeitada pela Dinamarca, à qual o território pertence. Já a União Europeia identificou que 25 dos 34 minerais listados como críticos em sua política de matérias-primas estão presentes na Groenlândia.

Mas, até que cadeias de fornecimento alternativas de terras raras sejam significativamente ampliadas, a China continuará a usar esse recurso crítico como uma poderosa arma geopolítica, mantendo as indústrias e nações globais sob seu controle.

As terras raras são minerais compõem um grupo de 17 elementos químicos encontrados na natureza, — Foto: Reprodução/Jornal Nacional

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