Revisão será feita por tribunais de todo o país após decisão do Supremo que descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal. Tribunais de todo o país começam a revisar nesta segunda-feira (30) processos de pessoas condenadas após terem sido flagradas com menos de 40 gramas de maconha.
Esta é a primeira vez que a revisão desses casos faz parte do mutirão carcerário promovido anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Há um ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal. A substância não foi legalizada, mas foi decidido que o usuário não é criminoso e, portanto, não pode ser condenado criminalmente.
O Supremo também estipulou que, quando uma pessoa é pega com até 40 gramas ou seis pés de maconha, a Justiça deve presumir que ela é usuária, e não traficante.
No entanto, se a pessoa tiver outros elementos que indiquem o comércio de maconha — como saquinhos plásticos, balança de precisão e caderno de contabilidade —, ela continua podendo ser enquadrada como traficante, mesmo que a quantidade da erva seja inferior a 40 gramas.
O STF encarregou o CNJ de coordenar mutirões para rever as condenações por tráfico de drogas. Até o dia 30 de julho, os tribunais de Justiça estaduais e os tribunais regionais federais (TRFs) vão reanalisar casos de pessoas que, de acordo com esses critérios, eram usuárias, mas estão ilegalmente presas como traficantes.
Descriminalizar o porte de maconha para uso pessoal não é legalizar e nem despenalizar
Mudança de traficante para usuário
Pelo país, magistrados têm ocasionalmente alterado o enquadramento de traficante para usuário quando a quantidade de maconha apreendida foi inferior a 40 gramas.
No último dia 6, por exemplo, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais absolveu um homem de Sete Lagoas que havia sido condenado, em primeira instância, a 7 anos e 3 meses de prisão por tráfico de drogas. Ele havia sido pego com dois tabletes de maconha em maio de 2018.
“Foram arrecadados 20,43 gramas de maconha, quantidade que, malgrado não seja ínfima, por si só, não prenuncia a narcotraficância e não é incompatível com o consumo próprio. Também não foi encontrado nenhum petrecho próprio para o tráfico de drogas ou qualquer outro indicativo de sua prática”, escreveu o desembargador Eduardo Brum em seu voto.
“Tendo em vista que o excelso STF […] fixou, dentre outras teses, a de que ‘não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo’, absolvo Henrique.”
Mãe de detento é presa ao tentar entrar em penitenciária de Guareí (SP) com maconha escondida no chinelo
Polícia Penal/Divulgação
Casos reais
Decisões como essa são encontradas na maioria dos tribunais estaduais. Porém, como apontou um levantamento do g1 em outubro do ano passado, a maior parte dos condenados por tráfico não tem conseguido ser reenquadrada como usuária para escapar da punição criminal.
Na ocasião, o g1 analisou 176 acórdãos — decisões de segunda instância tomadas por um grupo de desembargadores — dos 27 Tribunais de Justiça dos estados e do Distrito Federal que citavam a decisão do Supremo.
No Rio de Janeiro, por exemplo, em apenas um dos acórdãos lidos pela reportagem o tribunal entendeu que o réu deveria ser reenquadrado como usuário. Em outros 11, as condenações por tráfico foram mantidas.
No Distrito Federal, em um único caso analisado um homem condenado a 8 anos e 9 meses de prisão teve sua conduta reclassificada de tráfico para consumo pessoal. Em outros 12 os desembargadores mantiveram as condenações por tráfico.
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Mutirão
Segundo o CNJ, a revisão dos processos de tráfico de drogas feita durante o mutirão pode gerar quatro encaminhamentos:
▶️ manutenção da pena, por não se encaixar nos critérios da decisão do STF;
▶️ cancelamento de condenações por porte de maconha (baseadas no Artigo 28 da Lei de Drogas), já que o usuário não é mais criminoso;
▶️ revisão de condenações por tráfico (baseadas no artigo 33 da Lei de Drogas);
▶️ e encaminhamento dos casos para que as defesas e o Ministério Público se manifestem.
Ainda de acordo com o CNJ, o mutirão carcerário vai analisar também:
▶️ a aplicação de uma decisão do STF, de 2018, que concedeu habeas corpus coletivo a gestantes, lactantes e mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência, para substituir prisões preventivas por domiciliares;
▶️ prisões preventivas que se estendem por mais de um ano sem terem sido renovadas;
▶️ e processos com penas vencidas.
Mutirão começa nesta segunda para revisar prisões por pequenas quantidades de maconha
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