Entenda por que o Copom mantém a Selic em 15% mesmo após deflação

Entenda por que o Copom mantém a Selic em 15% mesmo após deflação

Segundo o boletim Focus, no início de março o mercado projetava inflação de 5,68% para o fim do ano. Na última semana, a estimativa já havia recuado para 4,83%.

Ainda assim, economistas ouvidos pelo g1 dizem que, mesmo com sinais de melhora na inflação, ainda não há motivos para que o Banco Central mude sua política de juros.

Veja abaixo os principais fatores que, segundo analistas, ainda preocupam o BC.

Foco do BC é a inflação de serviços

A queda de preços em agosto foi influenciada pelo bônus de Itaipu nas contas de luz e pela redução no grupo Alimentação e bebidas, que costuma se beneficiar da maior oferta agrícola no meio do ano, após a temporada de chuvas.

Segundo Rafael Cardoso, economista-chefe do Banco Daycoval, os fatores que reduziram os preços são temporários.

  • Houve influência da sazonalidade, que normalmente favorece índices menores no meio do ano;
  • E a valorização do real, impulsionada pela queda do dólar, barateou os produtos importados.

Esse movimento ajudou a aliviar os preços no curto prazo, mas pode ser passageiro. Embora o IPCA cheio seja uma referência importante para o BC, um núcleo específico preocupa ainda mais: a inflação de serviços.

Essa fatia da inflação é vista como termômetro da demanda na economia brasileira, já que reflete a situação do consumo e do mercado de trabalho.

Com mais empregos e salários maiores, aumenta a demanda por serviços e, ao mesmo tempo, os custos das empresas. “Mesmo que a inflação geral mostre algum alívio, o que importa para o BC ainda não avançou de forma relevante”, explica Cardoso.

  • 🔎 No comunicado, o BC exatamente isso: “Nas divulgações mais recentes, a inflação cheia e as medidas subjacentes mantiveram-se acima da meta para a inflação.”

Economia mais fraca, mas emprego ainda firme

Apesar disso, o mercado de trabalho segue bastante aquecido. Também em julho, a taxa de desemprego atingiu uma nova mínima histórica, encerrando o trimestre em 5,6%. Em números absolutos, 6,1 milhões de brasileiros seguem sem emprego, o menor nível desde 2013.

“O que o Banco Central quer ver é uma desaceleração do mercado de trabalho. Esse é sempre o último setor a sentir os efeitos de uma economia mais fraca. Enquanto o emprego continuar forte, a inflação de serviços vai permanecer pressionada”, diz Cardoso.

  • 🔎 O que disse o BC: “Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores de atividade econômica segue apresentando, conforme esperado, certa moderação no crescimento, mas o mercado de trabalho ainda mostra dinamismo.”

Ainda distante da meta de inflação

Cardoso, do Daycoval, avalia que o fato de as projeções — inclusive as do próprio BC — ainda estarem fora da meta já é razão suficiente para manter a política de juros elevados. Em sua visão, apenas em 2026 haverá espaço para cortes.

“No início de 2026, o BC provavelmente terá três fatores se alinhando: expectativas mais próximas da meta, atividade econômica mais fraca com reflexos no mercado de trabalho e uma inflação de serviços já mostrando melhora consistente”, afirma.

Ricardo Pegnoratto, especialista em finanças e investimentos da MIDE Mesa Proprietária, também destaca o cenário das contas públicas, cujas incertezas podem influenciar as expectativas de inflação nos próximos meses.

“O Copom optou pela prudência, aguardando sinais mais concretos e duradouros de que a inflação está convergindo para a meta, antes de iniciar um movimento de flexibilização”.

  • 🔎 Como o BC vê a situação: “As expectativas de inflação para 2025 e 2026 apuradas pela pesquisa Focus permanecem em valores acima da meta, situando-se em 4,8% e 4,3%, respectivamente. A projeção de inflação do Copom para o primeiro trimestre de 2027, atual horizonte relevante de política monetária, situa-se em 3,4% no cenário de referência.”

E o tarifaço?

Fatores internacionais também influenciam as decisões sobre juros. Segundo economistas, medidas como as tarifas impostas pelos Estados Unidos têm pouco impacto direto na inflação brasileira, mas aumentam a incerteza global.

Isso porque as tarifas podem pressionar a inflação nos EUA e alterar a política de juros americana — e esses efeitos, sim, podem atingir o Brasil de forma indireta.

“Se o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) corta juros, o real tende a se valorizar, o que ajuda a reduzir a inflação no Brasil”, afirma Cardoso, do Daycoval.

Para Ricardo Pegnoratto, da MIDE Mesa Proprietária, o Copom entende que, embora o impacto na economia seja limitado, a incerteza gerada e os efeitos específicos em alguns setores justificam maior cautela. “O risco de aumento de preços vindos do exterior impede que o BC reduza os juros agora”, afirma.

Segundo ele, a decisão do BC de manter a Selic em 15% ao ano é um recado claro ao mercado: a prioridade é o controle da inflação e a ancoragem das expectativas — ou seja, assegurar que as projeções apontem para a manutenção da inflação sob controle no futuro.

  • 🔎 O que disse o BC sobre o assunto: “O Comitê segue acompanhando os anúncios referentes à imposição de tarifas comerciais pelos EUA ao Brasil, e como os desenvolvimentos da política fiscal doméstica impactam a política monetária e os ativos financeiros, reforçando a postura de cautela em cenário de maior incerteza.”

Notas, moeda, Real, dinheiro, notas de dinheiro — Foto: Reprodução/Pixabay

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