Engov, Epocler e sal de frutas apenas aliviam sintomas isolados da ressaca
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As confraternizações de fim de ano, o Natal e o Ano Novo são momentos convidativos para muita gente brindar com álcool. Para tentar fugir da ressaca, diversos remédios prometem efeitos protetores. Mas será que eles funcionam mesmo?
O hepatologista e professor titular de gastro-hepatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Raymundo Paraná, explica que apenas um produto lançado em 2022, no Reino Unido, com o nome de Myrkl atua metabolizando o álcool ainda no intestino e diminuindo sua absorção.
O medicamento transforma o álcool em água e dióxido de carbono, em vez de acetaldeído, substância tóxica associada aos sintomas da ressaca. O Myrkl é feito à base de probióticos, especificamente Bacillus subtilis e B. coagulans.
“A bactéria do intestino passa a se alimentar do álcool e diminui a absorção. Esse produto não está amplamente disponível ainda, mas é a única proposta que existe”, diz Paraná.
O principal estudo sobre este produto, publicado na revista científica Nutrition and Metabolic Insights, mostrou uma redução da absorção de álcool no sangue de aproximadamente 70%, após 1 semana de suplementação, mas não avaliou diretamente os sintomas característicos da ressaca. O estudo teve uma amostra de apenas 24 participantes e avaliou apenas os efeitos de curto prazo, segundo a biomédica e pesquisadora sênior do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA) Marilia dos Reis Antunes.
Outros produtos, como Engov, Epocler e Sal de Fruta, não podem ser usados para “curar” a ressaca, nem aceleram a eliminação do álcool ou interferem em seu metabolismo, segundo especialistas ouvidos pelo g1 (veja abaixo o que esperar desses medicamentos).
Alguns atuam aliviando sintomas isolados, como dor de cabeça, azia, enjoo e indisposição. Ainda assim, esses remédios podem, em alguns casos, trazer complicações. Eles também não mascaram sinais de intoxicação.
A ressaca é multifatorial e envolve o metabolismo do álcool, a resposta inflamatória, alterações hormonais, distúrbios do sono e alterações da glicose. Por isso, um comprimido isolado raramente resolve tudo.
“Não há ‘antídoto’ comprovado que previna ou reverta a ressaca como um todo. Foque em prevenção”, destaca a endocrinologista e professora da pós-graduação em Endocrinologia Clínica da EPM-Unifesp Carolina Castro Porto Silva Janovsky.
Comer antes, beber devagar e se hidratar
A recomendação geral é beber devagar e sempre comer antes da ingestão de álcool. Dessa forma, o indivíduo não absorve o álcool de uma vez só. Além disso, manter a hidratação e dormir bem também ajudam na recuperação do organismo.
“Quando a gente come primeiro a gente evita a hipoglicemia que dá um grande mal-estar e pode ser induzida pelo álcool, porque, o álcool diminui os estoques de glicogênio, que é uma espécie de armário para onde o fígado repõe glicose para o corpo”, explica Paraná.
Engov, Epocler, sal de fruta e afins
ENGOV
O Engov contém ácido acetilsalicílico (AAS), cafeína, antiácido (hidróxido de alumínio) e o anti-histamínico mepiramina.
Como pode ajudar:
O AAS (150 mg) é analgésico e anti-inflamatório e pode aliviar a dor de cabeça;
A cafeína (50 mg) é estimulante e pode reduzir a sonolência e a sensação de fadiga;
O hidróxido de alumínio (150 mg) é antiácido e pode aliviar azia e queimação;
A mepiramina (15 mg) é um anti-histamínico de primeira geração, com leve efeito antiemético e sedativo.
Esse medicamento não acelera o metabolismo do álcool nem “desintoxica” o fígado. Ele age sobre sintomas relacionados aos efeitos do álcool.
Quais os efeitos indesejados possíveis:
O uso de AAS com álcool aumenta a irritação da mucosa gástrica e eleva o risco de sangramento gastrointestinal. A própria bula alerta que os efeitos gástricos do AAS podem ser potencializados pelo álcool;
O hidróxido de alumínio pode interferir na absorção de outros fármacos (como digoxina, quinolonas e tetraciclinas). Por isso, o ideal é espaçar de duas a quatro horas a ingestão do medicamento;
A mepiramina pode causar sonolência, o que exige cautela para dirigir ou operar máquinas.
Alertas do fabricante:
A recomendação é tomar de um a quatro comprimidos por dia, respeitando o limite máximo diário de quatro comprimidos. O uso deve seguir rigorosamente as orientações da bula. Em caso de dúvidas, o consumidor deve consultar um farmacêutico.
EPOCLER
O Epocler contém citrato de colina 100 mg/mL, betaína 50 mg/mL e racemetionina 10 mg/mL. Esses elementos são nutrientes envolvidos no metabolismo hepático de gorduras e da bile.
A indicação em bula é de “auxiliar no tratamento de distúrbios do fígado”, mas o produto não tem função de proteção hepática nem de combate aos sintomas da ressaca, segundo Raymundo Paraná.
Para a ressaca, não há evidência clínica robusta de benefício em ensaios controlados. Os estudos sobre “curas de ressaca” em geral são pequenos e de baixa qualidade.
A bula não descreve interações relevantes. Em doses usuais, o produto não é considerado hepatotóxico, mas também não há evidência de que “proteja” o fígado após excessos agudos de álcool.
Alertas do fabricante:
A recomendação é ingerir um flaconete até três vezes ao dia, preferencialmente antes das principais refeições, respeitando o limite máximo diário de três flaconetes.
SAL DE FRUTAS
O sal de frutas, como o ENO, contém bicarbonato de sódio, carbonato de sódio e ácido cítrico.
Como pode ajudar:
O antiácido efervescente neutraliza rapidamente o ácido do estômago, ajudando a aliviar azia e indigestão no dia seguinte.
Quais os efeitos indesejados possíveis:
Pode agravar a retenção de líquidos e a pressão alta em pessoas com hipertensão, insuficiência cardíaca ou doença renal. O uso frequente deve ser evitado nesses casos, segundo médicos ouvidos pelo g1. O uso frequente deve ser evitado nesses casos.
Alertas do fabricante:
A bula informa que o medicamento não deve ser usado por pessoas com pressão alta, problemas no fígado, coração, ou rins, ou se seguir uma dieta restrita em sódio.
A dose máxima diária recomendada é de dois envelopes ou duas colheres de chá a cada 24 horas.
O medicamento não deve ser utilizado por mais de 14 dias seguidos, por mulheres grávidas sem orientação médica ou do cirurgião-dentista e por menores de 12 anos.
Paracetamol com álcool exige cautela
Janovsky alerta que o paracetamol também costuma ser usado para a ressaca, mas seu uso associado ao álcool pode aumentar a toxicidade hepática. A recomendação é de cautela, especialmente em pessoas que ingerem mais de três drinques no dia ou beberam em excesso na véspera.
“Não associe remédios a resquícios de álcool no sangue. Leia a bula e, em caso de doenças gástricas, renais ou hepáticas, converse com seu médico. No caso de AAS e anti-inflamatórios, o álcool aumenta o risco de sangramento”, alerta Janovsky.
O risco de interação do álcool com medicamentos e energéticos
Nesse período de festas, as pessoas usam mais o álcool, assim como outras substâncias, e o álcool pode ter interações com elas, inclusive com medicamentos.
Paraná alerta que pacientes que têm arritmias cardíacas, por exemplo, podem piorar bastante com o álcool.
Além disso, o álcool com energético é uma péssima combinação, segundo o médico.
‘O energético pode causar ataque arritmia, assim como o álcool. Isso pode levar o paciente a uma hospitalização, inclusive”, reforça o hepatologista.
Diferenças individuais influenciam a ressaca
Mulheres tendem a apresentar maior concentração de álcool no sangue com a mesma dose ingerida, devido a menor quantidade de água corporal e diferenças enzimáticas. Em parte dos estudos, elas relatam mais náusea e cansaço.
Com o envelhecimento, há redução da água corporal e, em média, eliminação mais lenta do álcool, o que eleva o pico alcoólico e aumenta a suscetibilidade a quedas e interações medicamentosas.
O que é a ressaca e como o álcool age no corpo
A ressaca é uma intoxicação causada por um metabólito do álcool – o acetaldeído. O álcool entra no organismo, é metabolizado no estômago pela enzima álcool desidrogenase (ADH) gástrica. Depois, ele vai para o fígado, onde é metabolizado e forma o acetaldeído.
Algumas pessoas fazem isso muito rápido e que outras. E dependendo da quantidade de álcool e da maneira com que o indivíduo metaboliza, o acetaldeído pode se acumular.
O acetaldeído é justamente o que causa o mal-estar, a desidratação celular e a sensação de sede.
O álcool também causa a depressão dos estoques de glicogênio no fígado. Por isso que dá vontade de comer doce após o seu consumo.
O período de desintoxicação demora aproximadamente de seis a 12 horas. “Não há nada que possa ser feito nesse período para encurtar isso. Apenas hidratar e se alimentar”, explica Paraná.
“Não há tratamento e nem cura milagrosa para a ressaca. A melhor alternativa para evitar os prejuízos associados ao consumo abusivo de álcool e à ressaca é a abstenção ou o consumo moderado”, complementa Antunes.
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