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Como lidar com parente com demência: ‘Brigar, reclamar ou insistir só piora as coisas’

por Redação
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A psiquiatra Alicia Hernandez Patricia Gracia compartilha, em seu novo livro, vivências e orientações sobre o impacto familiar da demência e defende empatia, autonomia e informação como chaves para um cuidado mais humano e eficaz. Patricia Gracia García passou décadas trabalhando com pacientes com demência e seus familiares
Arquivo pessoal
O escritor argentino Jorge Luis Borges dizia que “somos a nossa memória, esse museu imenso de formas inconstantes, esse monte de espelhos quebrados”.
Mas, às vezes, como acontece com a demência, essa memória começa a se perder e, em muitos casos, desaparece por completo.
Por isso, quando o diagnóstico chega, a dinâmica familiar costuma mudar completamente.
As famílias podem ter dúvidas sobre como lidar com a pessoa afetada — que tem dificuldade de reconhecê-las — e qual é a melhor forma de manter sua qualidade de vida. É um período complexo.
Patricia Gracia García é psiquiatra no Hospital Universitário Miguel Servet de Zaragoza, na Espanha, e acompanha há anos famílias com parentes com demência.
Ela decidiu reunir toda a sua experiência no livro ¿Qué le pasa a mi madre?, (“O que Está Acontecendo com a Minha Mãe?”, em tradução livre), em que traz, com uma linguagem simples e acolhedora, informações úteis sobre essa doença.
A BBC News Mundo — serviço em espanhol da BBC — entrevistou García.
Confira alguns trechos da entrevista a seguir.
BBC News Mundo – Qual o primeiro conselho você daria a um familiar de uma pessoa com demência?
Patricia Gracia García – É um diagnóstico que cai como um balde de água fria, porque você pensa: “Bom, essa é uma doença irreversível e não tem cura.”
Mas eu diria que existem tantos tipos de demência quanto de pessoas com demência, e que cada evolução é diferente.
Não haverá uma melhora dos sistemas, mas pode haver uma melhora na qualidade de vida, que depende dos cuidados. E, se certos sintomas psiquiátricos forem tratados, eles também podem melhorar.
Eu também diria que a informação é poder, e que o melhor é entender o que está acontecendo.
Não podemos tentar resolver algo que não tem solução, mas podemos sim enfrentar de uma forma mais saudável, tanto para a pessoa com demência quanto para nós mesmos.
Devemos também permitir que elas mantenham a sua autonomia até onde for possível. Em estados avançados, elas não vão conseguir decidir sobre certas coisas, mas podem, por exemplo, escolher o que preferem comer ou o que querem vestir.
É preciso ir passo a passo e adaptar o ambiente à pessoa conforme ela passa por cada etapa da doença.
BBC News Mundo – Ao que temos que estar atentos? Quais são alguns sintomas prévios ao diagnóstico?
García – Além das mudanças cognitivas na memória, podem surgir sintomas psiquiátricos como apatia ou depressão, mudanças na personalidade que tornam a pessoa mais irritável e intolerante à frustração, mais impaciente e sem disposição para ouvir os argumentos dos outros.
Mas precisa ser uma mudança de comportamento, algo novo, e que persista ao longo do tempo.
É comum também que, movidas pelo medo, as pessoas com histórico de demência na família se preocupem demais com os próprios esquecimentos, mesmo eles sendo normais em alguns casos.
Livro lançado por Patricia García, ¿Qué le pasa a mi madre?, (“O que Está Acontecendo com a Minha Mãe?”, em tradução livre)
Arquivo pessoal
BBC News Mundo – Como distinguimos um esquecimento normal de algo que pode indicar uma demência?
Patricia García – A chave está em como isso afeta o dia a dia. Com a idade, é normal que a memória ou a velocidade para processar informações diminua, mas isso é compensado com outras habilidades, como sabedoria e experiência.
Também temos que pensar que, às vezes, falhas na memória podem acontecer por uma situação de estresse, porque estamos com muita coisa na cabeça.
Ter esquecimentos é normal, mas vira um problema quando afeta a nossa capacidade de executar as tarefas do dia a dia.
No geral, em casos de demência, quem mais se preocupa é quem está ao redor e não o próprio paciente. Já quando não é demência, é o contrário: a pessoa fica achando que ela tem algum sintoma e isso gera ainda mais nervosismo e ansiedade.
Por isso, o mais importante é observar se há algum sinal real de deterioração ou não.
BBC News Mundo – Fala-se muito sobre como um diagnóstico de demência afeta os adultos da família, mas e as crianças? Como explicar isso para elas?
García – Não temos que esconder nada delas, afinal, a criança vai perceber que tem algo estranho acontecendo.
É preciso explicar a elas de uma forma que possam entender, adaptando a linguagem à idade e à capacidade de compreensão, até ao interesse delas, porque algumas vão fazer perguntas.
Eu explicaria que uma pessoa tem uma doença no cérebro que faz com que ela se comporte de uma maneira diferente, que para ela as coisas são mais difíceis e ela não se lembra do que fez ou não sabe como dizer o que está sentindo ou precisando.
Ou ainda que, às vezes, não consegue reconhecer os lugares onde está e nem as pessoas com quem está conversando.
Eu diria também que, apesar de ser uma doença sem cura, nós podemos ajudar quem está passando por isso.
Pode ser muito impactante para os familiares, e ainda mais para as crianças, quando, por exemplo, uma pessoa com demência se olha no espelho, acha que está vendo outra pessoa e começa a conversar.
Nesse caso, o melhor para as crianças é explicar da forma mais natural que, por causa da doença no cérebro, essa pessoa não reconhece mais a própria imagem.
O problema é que, muitas vezes, nem mesmo os adultos compreendem a situação, e por isso é tão importante ter essa informação: para entender, explicar e evitar gerar medo.
García explica que, dependendo do tipo de demência que a pessoa tiver, diferentes partes do cérebro serão afetadas
Getty Images via BBC
BBC News Mundo – No livro, você diz que, nesses casos, às vezes não vale a pena insistir na verdade, que ela é relativa. E que o melhor é não discutir.
García – É muito comum na demência que a pessoa tenha dificuldade para reconhecer que precisa de ajuda, ou que esteja vendo e ouvindo coisas que não são reais, mas que ela está convencida de que são.
Uma estratégia possível é tentar usar alguma pista, como fazer com que ela reconheça uma característica própria — uma pinta, uma cicatriz, um acessório — naquela imagem que vê no espelho, por exemplo.
Mas se você perceber que ela não se reconhece e fica inquieta, pode ser melhor cobrir o espelho. Insistir pode não levar a lugar nenhum.
Às vezes, a família usa respostas lógicas para explicar as coisas, discute com a pessoa com demência e tenta convencê-la de que o que ela está vendo não é real. Mas, na maioria das vezes, além de não funcionar, discutir e insistir aumenta o problema.
Por isso, é fundamental que aqueles ao redor de uma pessoa com demência reconheçam quais atitudes acabam agravando o problema para que possam parar de repeti-las e, assim, criar um ambiente mais calmo, seguro e acolhedor.
BBC News Mundo – Qual é o problema mais comum que os familiares costumam relatar?
García – A rebeldia e como lidar com ela. E isso pode acontecer porque estamos pedindo para a pessoa com demência que faça algo que ela não sabe como fazer, ou não estamos lhe dando tempo suficiente ou ainda porque ela sente desconfiança.
Pode ser uma reação secundária a sintomas psiquiátricos, mas também pode ser uma forma que ela encontrou para reivindicar sua autonomia, de buscar pequenas conquistas em um mundo que ela sente que não tem mais controle.
BBC News Mundo – O que fazer se desconfiarmos que um familiar pode estar com demência?
García – Falar com o médico é essencial, mas o primeiro passo é perguntar ao nosso familiar, escutá-lo e pedir que ele nos diga se tem notado alguma falha ou problema, se está mais nervoso ou irritado, se está com dificuldade para fazer algo.
Isso pode ser a porta de entrada para convencê-lo a procurar um médico.
É preciso respeitar o tempo da pessoa e esperar o momento certo, tanto para falar sobre o que sente quanto para perceber as dificuldades que ela tem.
No fim das contas, dá para dizer algo como “Olha, mãe/pai, eu estou muito preocupado. Ficaria mais tranquilo se você fosse ao médico dar uma olhada”.
Geralmente, elas aceitam. Levar a pessoa a força ou sem avisar é a pior ideia que existe.
A pessoa com demência lida com emoções muito complexas
Getty Images via BBC
BBC News Mundo- Você menciona no livro que o engano é um dos fatores sociais negativos para quem tem demência.
García – As pessoas fazem na melhor das intenções, mas não é o ideal. Também não é bom falar de forma abrupta. É importante transmitir as coisas de um jeito que a pessoa possa participar até onde for possível.
Outro fator social negativo é o descuido. As famílias geralmente se viram sozinhas, mas esse é um problema da sociedade e das instituições, que acabam negligenciando pessoas com demência.
Existe um estigma e uma espécie de exclusão da pessoa com demência, que de certa forma é afastada de participar e de se relacionar com a família e amigos, perdendo um espaço social importante de conexão.
Ou se invalida o que elas sentem e expressam.
É fundamental escutar as necessidades, os afetos dela. Às vezes, não tem outro jeito senão impor alguma coisa, mas esse não deve ser o primeiro passo. Não podemos tirar o poder delas.
Também não podemos objetificá-las. É preciso comunicar o que vai fazer ou pedir permissão, por exemplo, quando for dar banho ou ajudar a se vestir.
Devemos explicar de forma simples e direta, mas sem tratá-las como crianças, porque não podemos esquecer que são adultos com uma história de vida.
BBC News Mundo – A respeito disso, uma das coisas que você destaca é a importância de preservar a autonomia da pessoa, por exemplo, não tirar a carteira de motorista logo de cara, assim que vem o diagnóstico.
García – Isso é importante para elas, assim como seria para qualquer um nós. Decisões precisam ser tomadas à medida que as dificuldades vão surgindo, e não antes. De forma gradual, com sensibilidade, e não guiados pelo diagnóstico.
Em muitos casos, medidas desproporcionais são tomadas para evitar riscos e acaba sendo pior.
Isso serve tanto para dirigir quanto para lidar com o dinheiro. É preciso observar se a pessoa ainda consegue dirigir com segurança, se pode administrar pequenas quantias de dinheiro, ou se consegue cozinhar sozinha. E ir adaptando as tarefas.
Se for alguém que cozinhou a vida toda, pode ser que agora precise de ajuda, ou mais pra frente só consiga cortar os ingredientes. Mas é importante dar a essa pessoa uma função relacionada com o que sempre foi valioso para ela, adaptando conforme as capacidades.
Também é fundamental validar as emoções e ajudá-la a lidar com problemas do dia a dia, principalmente em fases mais leves da demência.
Se possível, fazer terapia de reminiscência. É uma abordagem que estimula a pessoa a lembrar e reviver momentos de sua vida, reconstruindo sua história por meio de elementos que a conectam com a própria identidade, como por exemplo, a música.
Uma das recomendações para prevenir a demência é aumentar a reserva cognitiva
Getty Images via BBC
BBC News Mundo – Os familiares de pessoas com demência geralmente têm medo de repetir o mesmo destino de seus avós ou pais. O que eles devem fazer e o que não devem fazer para prevenir e diminuir o risco?
García – Nesses últimos anos, tem-se dedicado mais atenção ao estudo de fatores modificáveis e à busca por estratégias de prevenção, porque, no fim das contas, a população vai envelhecer.
Um dos fatores principais é a reserva cognitiva, ou, podemos dizer, um cérebro mais ativo e curioso. Isso não está ligado apenas à escolaridade.
Isso não quer dizer, por exemplo, que o Alzheimer não possa afetar essas pessoas com mais reserva cognitiva, mas a doença vai demorar mais tempo para se manifestar. Assim, uma boa reserva cognitiva não protege ninguém da doença, mas atrasa seu aparecimento.
É preciso também estar atento a todos os fatores que prejudicam as artérias, como fumar, consumir álcool e outras substâncias tóxicas, a obesidade, o aumento da pressão arterial e do colesterol, pois todos eles aumentam o risco.
Se tivermos problemas de visão ou audição, é importante corrigi-los, porque isso ajuda a prevenir e a manter mais conexão com o ambiente ao redor.
Manter-se socialmente ativo, ter atividades cognitivas e rotinas também é fundamental.
Se conseguirmos controlar esses fatores dentro das nossas possibilidades, podemos prevenir em até 40% o risco de demência, o que não é pouca coisa.
No caso de histórico familiar, ainda que possa implicar maior risco, essas doenças geralmente se manifestam de forma precoce, antes dos 60 anos.
Mas, vou te dizer que a genética é apenas mais um fator de risco, não é determinante.
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